A VIDA É UM AFORISMO
PREFÁCIO DE MÓNICA FERREIRA LIMA
---- CAPA E ILUSTRAÇÕES DE JOÃO TIMANE -----
Editora - Edições Esgotadas
A VIDA É UM AFORISMO
IV CAPÍTULO
*****************
IRONIAS
« A ironia talvez fosse necessária à grandeza da alma.»
Friedrich Nietzsche
« É muito mais difícil matar um fantasma do que matar uma realidade.»
Virgínia Woolf
_______________________________________
. A desgraça dos pobres e a mesquinhez dos ricos não o são por fatalidade do conflito; são-no por inoperância da sua indignação.
. Andar sempre cheio de razão é ter perdido o estilo próprio da perfeição.
. Nem todas as idades ficam entre o nascimento e a morte; a vida é muito mais que o tempo de viver.
. A oportunidade é uma provocação; tanto quanto a audácia é uma afronta e o erro é uma injúria.
. O medo é a forma bastarda da impotência.
. Somos feitos para nos perseguirmos, em busca de um qualquer sentimento que nos conforte, ou destrua.
. Na vulgaridade do quotidiano, encontramos muitas vezes pequenas vitórias que abrem caminho à estética triunfal da eternidade.
. A primeira desgraça é ser-se desamado; a última é ser-se ciumento.
.A idolatria tem uma ética muito própria: a submissão irresgatável à propriedade originária do impulso romântico, que se expandiu como instrumento de fé.
. O ladrão deixa a toda a família uma herança de perdição e descrença: a vergonha, sem hipótese de recurso.
. Os demónios dos outros são quase sempre inspirados nos nossos.
. O que não existe é tão complexo como a vida que nos escorre entre os dedos, em forma de tempo.
. Os segredos de um rio são muito para além de qualquer margem.
. A extravagância é a linguagem dos firmes, como a sensatez é a linguagem dos tímidos.
. O que fica depois da tragédia é a humilhação que resulta da impotência.
. Na luta contra o tempo, o homem nunca terá qualquer hipótese de triunfo; a morte é a grande glória.
. Há sempre o rumor de passos, que fica para lá da partida; escutar seu eco, um gesto de encontro.
. Mais do que manifestação de força, o alarido social é grito de descrença.
. Há dias, em que até o poeta mais sisudo sorri à passagem das cobras.
. A arrogância é a face mais visível do fracasso.
. A cumplicidade é um girassol que se vai desfolhando, em pétalas de puras inocências ou duras consequências.
. Há palavras que se escondem entre dentes, para não terem que acabar cuspidas.
. Qualquer sofreguidão pode levar a engasgamentos fatais.
.Quando se tropeça num capricho, é fácil o tombo de múltiplas quedas.
. Há lonjuras onde não cabe qualquer distância.
. A poesia é um rendilhado sempre imperfeito.
. Do salto arriscado pode acontecer uma queda no mar; ou um voo na maresia.
. Há noites, em que nem mesmo a brandura do céu consegue desamarrar sinais de paz.
. Eterno é o farol aceso, contra os pássaros em tímidos achegos ou largas asas de voo.
. Na lareira crepita ainda o lume que reacendi, com recordações abrigadas na frigidez do tempo.
. No estreito chão da intimidade, vamos aprendendo a segurança dos largos passos da vida.
. Há poentes de gelo em céus cor de fogo, e poentes quentes no frio das madrugadas.
. Nascemos para ser barco no mar alto, e o mar é imenso de atravessar, e os nossos destinos são os destinos dos outros!
. Grande crueldade é ser a natureza do grito, a quem sufocaram a garganta e o sentido da palavra celebrada.
. A surpresa que fere o ouvido pode inaugurar silêncios; ou tumultos.
. O frio desiludido repete-se, de cada vez que o poema nos foge, antes que o sorvamos até ao último trago.
. Há quem não saiba que o mundo se descobre pelo toque.
. Abrir o pensamento não é a mesma coisa que abrir o coração: são diferentes as chaves que os encerram.
. A vida é um estorvo para os afetos.
. Quando o amor não está confirmado, pode esvair-se em linguagens banais.
. Quando se desfaz um laço familiar, todos se transformam em vítimas da memória.
. A cordialidade é dever simpático, quando se tem a barriga cheia.
. O arrependimento muitas vezes decide melhor do que a atitude.
. As melhores histórias são as da infância, que foram vividas em tempo de dúvida.
Autora - Aurora Simões de Matos
Para o livro: A VIDA É UM AFORISMO