Chitas em Castro Daire
DESFILE DE VESTIDOS
DESFILE DE VESTIDOS
Texto de abertura do Desfile, no ano de 2008
Oriunda da Índia, a chita chegou à Europa no século XV, na época do grande trânsito marítimo em demanda de novos mundos que, ao Velho Continente, abriram portas para as mais diversas transacções comerciais.
Desde logo, foi enorme a divulgação e a aceitação deste tecido de algodão, caracterizado por tramas simples e desenhos ingénuos de tons garridos, com variadíssimos motivos, estampados de pintas, bolas, riscas, arabescos, flores ou cornucópias.
De textura macia e agradável, cores vistosas e apelativas, facilidade de manuseamento e confecção, a preços acessíveis às bolsas menos fartas, depressa virou moda entre as classes de menores recursos, com especial incidência no mundo rural das aldeias, mas também nas gentes humildes que habitavam e enchiam de vida o quotidiano dos grandes centros urbanos.
Sendo a chita um tecido essencialmente feminino, foi a mulher jovem, a rapariga e a criança quem mais e melhor usufruiram da sua beleza simples, da sua beleza prática, da sua natural e graciosa utilidade, numa variada gama de peças da sua indumentária, onde pontuavam os folhos, as fitas, os bordados, as rendas, as espiguilhas, os favos, os debruados, as pregas, os machos, os franzidos, os godés, os tufados e os rodados. Em vestidos curtos ou compridos, saias, blusas, bibes ou aventais que marcaram o vestuário de várias gerações.
Mas o uso das chitas, que tamanha importância assumiram na vida de um passado não muito distante, foi bastante mais que uma moda.
Desde o século XVIII, até meados dfo século XIX, estes tecidos tiveram um lugar determinante nas relações comerciais entre os mercados, nomeadamente entre Portugal e o Brasil, onde, no século XX, o chamado «Século das Chitas», pela primeira vez o seu uso se generalizou entre os estilistas.
No nosso País, a partir de 1940, por todo o lado passaram a exibir-se concursos de vestidos de chita, onde, a par das tradicionais mostras evocativas de um tempo muito recente, se foi apurando o sentido estético, o bom gosto e a riqueza da fantasia e do pormenor, que ficarão para sempre ligados à época do rock and roll, do twist, do hula hoop.
A chita deixava de ser considerada um elemento «piroso», de gosto duvidoso, para ganhar estatuto de fidalguia, no recuperar de certos acessórios de decoração, ao estilo de muitas casas senhoriais adaptadas ao mundo contemporâneo.
Ao longo dos últimos séculos, muitos foram os escritores e os poetas que nela se inspiraram, para vestirem belas e sensuais personagens de atrevida e saudável garridice ou de elegância mais contida e discreta, num colorido gracioso, que enche páginas de livros e letras de canções imorredouras.
Se é certo que um Povo deve, sem preconceitos, honrar as suas tradições, também é certo que às novas gerações devem ser facilitadas oportunidades para um contacto com essas realidades, a fim de que possam conhecê-las e orgulhar-se delas.
Com esse objectivo de carácter pedagógico redobrado, vamos assistir a mais um «Desfile de Chitas». Como modelos, crianças e jovens da nossa terra que exibirão, por que não com uma pontinha de vaidade, uma mostra da moda, ao tempo de suas bisavós.
Aurora Simões de Matos
Leitura do Poema, pela voz da autora

VESTIDO DE CHITA
Texto de abertura do Desfile, no ano de 2009
I Era uma linda moçoila que vivia lá na aldeia cercada de serranias. Não tinha ainda vinte anos, pele morena, negros olhos, cabelo sempre entrançado. Fresca moçoila bonita, seu nome Maria Rita. Depois da escola, a lavoura numa vida de trabalho. A vida vivida à justa desde o nascer ao sol-pôr, em tarefas carregadas entre risos, gargalhadas, os cansaços à mistura com cantigas bem cantadas. E ao domingo, bem cedo, banho fresco, perfumado, lençol de linho mudado com cheirinho a barrela, saltitava de alegria e com outras raparigas ia à missa na capela. À tardinha, no terreiro, bailava com seu namoro e ao toque do realejo esperava que o seu par lhe roubasse um doce beijo. Tão bonita, a rapariga com o vestido que a mãe lhe tinha feito ao serão, todo às pregas bem certinhas com fundo rosa às pintinhas. Era um vestido de chita, seu nome, Maria Rita. |
II Era uma linda miúda que vivia lá na vila. Tinha perto de quinze anos, pele risonha e seus olhos quais luzeiros no caminho alumiavam a vida de quantos nela cruzavam, de quantos nela pensavam. Rua abaixo, rua acima, espalhando pelos ares um cheirinho a brilhantina com o cabelo apanhado e franja à solta no rosto, ia ligeira e traquina, toda ela simpatia, seu nome Rita Maria. O riso aberto, alegria desde o nascer ao sol posto. Tinha jeito na costura e à mestra ia aprender a arte que os pais achavam ser bonita para a filha. E foi na mestra, medindo, cortando com muito amor, alinhavando e cosendo, que a futura costureira para si própria um dia fez o primeiro vestido com espiguilha nos bolsos e na gola redondinha, todo rodado à cintura e atrás um grande laço. Lindo vestido de chita de tecido – fantasia, seu nome, Rita Maria. |
III
Era uma doce menina
que morava na cidade,
e andava pelos dez anos.
Pele macia, olhos azuis,
cabelos loiros à solta
a emoldurar um rosto
sempre à procura, curioso
sempre à procura, curioso
de tanto para aprender,
de tanto para viver,
muito afável e meiguinha,
seu nome, à data, Ritinha.
Tinha acabado a escola,
ia agora ao liceu,
dava os primeiros passos
para uma vida que os pais
escolheram para um dia
ser como eles, professora.
Ia ao liceu agora
e não esquece aquele dia
que levou a vez primeira
o seu vestidinho azul
que a modista lhe fizera
pelo novo figurino
com modelos lá de fora.
Era um vestidinho aos folhos
todos franzidos ns saia
que ficava bem armado
com saiotinho engomado.
A manga era tufadinha
e o peito com bolero
era todo à mão bordado.
Com seu vestido brilhou
e à hora do recreio,
em lindas danças de roda,
muito ela rodopiou,
toda em chita vestidinha,
seu nome, à data, Ritinha.Três Ritas e tantas outras
que a vida juntou nos folhos
de um tecido - fantasia
em peças da mocidade,
em pedaços de vaidade.
Maria Rita da aldeia,
Rita Maria da vila
ou Ritinha da cidade,
cada qual a mais bonita,
com seu vestido de chita.
Aurora Simões de Matos
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