CONTO DE NATAL
Autora - Aurora Simões de Matos
A caminho
do Presépio
Por tapadas e quebradas, vales, ladeiras e altos cabeços, soutos,
pinheirais e milheirais, carreirinhos de chão pisado entre carquejas
e sargaços, urzes e giestais, ouvia-se, qual hino de boas-vindas, o
cântico solene de um coro universal.
―
Parece que toda a Terra está em festa! – murmurou o cordeirinho
tresmalhado, de olhar meigo voltado para o Céu.
―
Eu estava à tua espera, cordeirinho! – respondeu a estrela
cadente, irmã de milhões de outras estrelinhas espalhadas pelo
escuro da abóbada celeste. Para te dizer que tens irmãos e que, de
olhos postos no horizonte, te esperam ansiosos. Vai, cordeirinho,
corre, não os faças esperar mais. Eu ensino-te o caminho.
―
E quem está a cantar esta música tão linda?
―
São os anjos do Céu. É Natal, nasceu um Menino no coração de
cada homem e esta noite todos param para festejar o grande
acontecimento. Mas tu és pequeno demais para compreenderes estas
coisas. Agora só tens que te apressar, cordeirinho. Eu ouvi no
espaço a oração do jovem pegureiro aflito, pedindo a Maria a graça
do teu regresso.
―
É muito longe a casa dos meus irmãos, linda estrelinha?
―
Duas léguas e meia, por tapadas e quebradas, vales, ladeiras e altos
cabeços, soutos, pinheirais e milheirais, carreirinhos de chão
pisado entre carquejas e sargaços, urzes e giestais. Estão todos à
tua espera, a tua ausência uniu-os numa corrente de fé, grande é a
esperança em tempo de Natal. O Presépio da Igreja está pronto e o
teu lugar lá está reservado. Até à última hora e para além
dela, ninguém poderá nunca ocupar o teu espaço. Se não te
atrasares, chegarás a tempo, cordeirinho.
Pelos caminhos da serra, a sós com estes pensamentos, seguia ele o
trilho das estrelas, iluminado pela mais brilhante de todas. Perto de
um povoado, agigantou-se no silêncio da noite o cantar misterioso do
galo emproado, de grande crista vermelha. A seu lado, a galinha
poedeira abriu um olho e, ciente de galinácea sabedoria, cacarejou:
―
Já pouco falta para a meia-noite. São quase horas da Missa do Galo
e eu não quero deixar de representar a classe, como respeitada
poedeira que sou.
E,
atrás do galo todo emproado, em duas corridas alcançou o pequeno
cordeirinho, à luz da fascinante estrela e ao som de um coro de
vozes que não se sabia de onde vinham.
Os três, felizes, mas em silêncio, como se todo aquele ambiente e
suas personagens fizessem parte da mesma oração, seguiram carreiro
fora, à flor da terra batida e escura, fendida por pedaços de lousa
macia e cortante.

À
passagem dos devotos peregrinos, o cão de guarda da pequena casa
isolada, à beira do Souto da Pedreira, ergueu-se nas patas
traseiras, encostado à cancela de pinho e, espreitando com ar de
interrogação, ladrou alto e bom som:
―
Quem vem lá, por caminhos fora de horas?
Como
ninguém lhe respondeu, rosnou, com ares de quem tudo percebia:
―
Por aqui, alta noite estrelada, só quem vá festejar o Natal!
E,
apoiando-se numa trave da cancela com as patas dianteiras,
abalançou-se com as de trás e, de um salto, estava já a caminho do
Presépio, na fila atrás do cordeirinho, do galo emproado e da
galinha poedeira.
Cada
vez mais perto dos irmãos, o jovem cordeiro, já cansado da longa
caminhada, parou um pouco para beber na pequena poça que as chuvas
do inverno haviam transformado em bebedouro de água transparente e
em cujo espelho viu, nos ares, a estrela cadente que os guiara até
ali.

Cada
vez mais perto, podiam ouvir-se agora, com bastante nitidez, sons de
tambor e cânticos de crianças, a ensaiar a grande representação
da chegada dos pastores ao Presépio.
Habituado
a dar conta e sinal de pessoas estranhas, o cão de guarda
apercebeu-se, através duma nesga entre dois telhados, da presença
de uma estranha Figura de barbas brancas, vestida de vermelho, com um
grande saco às costas.
Ladrou,
espavorido, quase a despropósito.
― É
o Pai Natal, que anda a distribuir prendinhas pelas crianças da
freguesia! Quando chegarem da Missa do Galo, todos irão a correr ao
canto da lareira buscar os presentes: rebuçados e chocolates,
brinquedos ou livros. O Pai Natal sabe bem como distribuir.
Era a
voz da estrela cadente que está, agora, a chegar à torre da Igreja
Matriz, onde vai celebrar-se a Eucaristia da mais linda noite do ano.
Como
quem toma a melodia do mais belo cântico de amor e boas-vindas e com
ela consegue musicar um novo Hino da Alegria, o coro de anjos
celestes, voando nas asas da sua voz, entoa por toda a Terra a frase
da boa-nova:
-
Nasceu Jesus! Nasceu Jesus! Nasceu Jesus!
A
Igreja está repleta de fiéis, à espera da hora para o beijo ao
Menino, deitado nas palhinhas da manjedoura, no grandioso Presépio
Vivo. De súbito, como se o quadro não estivesse completo…
O
galo emproado e a galinha poedeira entram de mansinho pela porta
principal e, obedecendo ao instinto, vão agachar-se dentro do cesto
vazio da pastorinha mais pobre.
O
cordeirinho, exausto da longa viagem, nem dá pelos sorrisos doces
dos seus irmãos e, sem cerimónia, alcança o bondoso S. José,
deita-se a seus pés e adormece tranquilo.
O cão
de guarda não entrou. Ele sabe que o seu lugar é à porta. Atento a
todos os movimentos, faz um uivo de pasmo à passagem meteórica da
estrela cadente que, da torre da Igreja, se lança pelo espaço em
vertiginosa correria.
―
Não te assustes, cãozinho! Tenho pressa, tenho pressa! Vou agora
noutra missão. Lá longe, muito longe, os Reis Magos esperam a minha
luz...
Aurora Simões de Matos
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