QUANDO O ALÉM ME CHAMAR
A lua cheia voltará seu rosto
à ironia de um destino incumprido
na noite imensa, ao longo de murmúrios
(...)
Apenas o eco se ouvirá dos passos...
Alguém virá tentar despir-me então, eu sei
a pele de sentimentos tão só meus
vestes esfarrapadas da memória
as sandálias rompidas
no longo peregrinar de meus caminhos
Alguém virá contar, a voz a soluçar
lamentos derradeiros, saudades sem esperança
passagens diluídas
em novo entretecer de mil lembranças
no tear misterioso do amor
Alguém virá depois então dizer, eu sei
que entre dois palmos de terra nasce o verde
que na raiz da madrugada nasce o sol
que entre duas nesgas de luz renasce o dia
se acaba um luto, se rasga um nome
Um nome...
Terá encostas de serra e penedias
desnudadas ao vento em arrepio
a engravidar de canções o íntimo da terra
Terá gente que chora e reza e estremece
rostos que foram sangue
o sangue numa oferta a latejar
quando a seiva era força e fogo e gesto de beijo
Terá gente que sonha e beberá meus versos
com sabor agridoce
no lento saborear do que restar de mim
E do alheamento
em que se transformar minha vertigem
talvez que esse nome ressuscite
para, liberto já dos fados duma vida
ser por meu fado
berço e sepulcro, inferno e santuário
num corpo todo ele feito de nada
de um mundo todo ele feito de tudo
Aurora Simões de Matos
no livro " Quando o Além me chamar"
2002 ----- 44 autores
Sem comentários:
Enviar um comentário