sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
domingo, 17 de fevereiro de 2013
Contos de Xisto - Apresentação em Viseu (1ª parte)
Apresentação do livro CONTOS DE XISTO
Viseu,12 de Maio de 2012
Discurso de Aurora Simões de Matos----(1ª parte)
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
FLORBELA
ESPANCA
Análise Literária
Análise Literária
TERTÚLIA
DO HOTEL LAMEGO
09/02/2013
Análise literária por Dra.Maria Irene Cardoso
(Também no Site Oficial da Organização Internacional de Cultura, Nova Acrópole... Lisboa)
http://www.nova-acropole.pt/a_florbela_espanca.html
(Também no Site Oficial da Organização Internacional de Cultura, Nova Acrópole... Lisboa)
http://www.nova-acropole.pt/a_florbela_espanca.html
Senhora Professora Dona
Aurora Simões de Matos,
Organizadora desta
Tertúlia Literária
Minhas Senhoras e meus
Senhores:
Apesar do
encantamento que sempre experimentei relativamente à poesia de
Florbela Espanca, apesar do fascínio que sempre em mim provocou o
mundo florbeliano, povoado de palavras cheias de beleza, de ritmo e
de múltiplas sugestões, confesso que me não foi fácil alinhavar
esta meia dúzia de considerações sobre a Poetisa. Considerada como
a maior de Portugal. A razão da dificuldade invocada é a riqueza
imensa da sua obra, sobretudo a poesia: concisa, na dignidade formal
dos seus sonetos, revestidos de harmonia e de equilíbrio. Toda uma
estética de contenção, à boa maneira da Antiguidade Clássica. E,
apesar disso, oferecendo, esta poesia, a expressão mais sentida dos
mais exaltados arroubos de amor, de angústia, de ansiedade ou de
desespero, de saudade ou de nostalgia: modos de expressão e de
sentir que situam a Escritora sob a esfera de múltiplas influências
literárias finisseculares (do século XIX para o século XX): o
Romantismo, o Parnasianismo, o Simbolismo.
Segundo
José Carlos Fernández, «Os seus poemas são galerias de sonho…»;
«Em alguns sonetos, Florbela é uma árvore amada que sempre espera
e cujas raízes morrem de sede, em outros é um vitral alquímico e
sinfonia de cor.»
Florbela
Espanca nasceu no Alentejo, em Vila Viçosa, no dia 8 de Dezembro de
1894, filha (tal como seu irmão Apeles) de uma mãe solteira e de um
pai casado com outra mulher que não a mãe.
A morte
prematura de seu irmão, que se despenhou no Tejo, a bordo do avião
que pilotava, lançou a Poetisa numa indescritível angústia, o que
acabou por acentuar o pendor melancólico, angustiado, mesmo, e
saudosista do seu espírito. A seu irmão, dedicou os livros de
contos: “Máscaras do Destino” e “Dominó negro” e ainda,
pelo menos, dois sonetos.
Frequentou,
Florbela, o liceu na cidade de Évora e matriculou-se na Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, já depois de separada de seu
primeiro marido. Casou pela segunda vez e pela segunda vez se
separou. Casou ainda uma terceira vez, tendo vivido em Esmoriz e em
Ovar onde seu marido, Mário Lage, era um notável clínico.
Desencantada
da vida, tendo entrado numa espiral de sofrimento anímico
indescritível, faleceu, no ano de 1930, em Matosinhos, no dia do seu
36º aniversário.
Fazendo
contas, Florbela Espanca nasceu há cerca de 118 anos e faleceu há
cerca de 82 anos.
De
temperamento amoroso, terno, sonhador e arrebatado, derrama em poesia
apaixonada as suas intensas e doridas vibrações: eróticas e
sentimentais. Florbela é uma alma que vive na procura incessante da
perfeição, do ideal, que nunca conseguirá encontrar em homem
nenhum, em nenhum dos amores que viveu.
Prince
Charmant…
No
lânguido esmaecer das amorosas
Tardes
que morrem voluptuosamente
Procurei-O
no meio de toda a gente.
Procurei-o
em horas silenciosas!
Ó
noites da minh’alma tenebrosas!
Boca
sangrando beijos, flor que sente…
Olhos
postos num sonho, humildemente…
Mãos
cheias de violetas e de rosas…
E
nunca o encontrei!... Prince Charmant…
Como
audaz cavaleiro em velhas lendas,
Virá,
talvez, nas névoas da manhã!
Em
toda a nossa vida anda a quimera
Tecendo
em frágeis dedos, frágeis rendas…
-Nunca
se encontra Aquele que se espera!...
Desiludida,
mas insaciável na sua sede de perfeição, insaciável na sua sede
de Ideal, volta-se para si, na procura vã do ideal de si mesma, que
também não encontrou. Então, como Narciso, também Florbela, não
tendo conseguido encontrar a perfeição em si, apaixona-se pelo seu
reflexo, o “eu” que é perfeito nos seus sonhos. Há mesmo uma
atitude de orgulho, de vaidade, de altivez. E até de sobranceria.
Vaidade
Sonho
que sou a Poetisa eleita,
Aquela
que diz tudo e tudo sabe,
Que
tem a inspiração pura e perfeita,
Que
reúne num verso a imensidade!
Sonho
que um verso meu tem claridade
Para
encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo
aqueles que morrem de saudade!
Mesmo
os de alma profunda e insatisfeita!
E agora um
extracto de outro soneto:
Altiva
e couraçada de desdém,
Vivo
sozinha em meu castelo, a Dor!
…………………………………………….
Castelã
da Tristeza, porque choras
Lendo
toda de branco, um livro de horas,
À
sombra rendilhada dos vitrais?...
À
noite, debruçada p’las ameias,
Porque
rezas baixinho?...Porque anseias?...
Que
sonho afagam tuas mãos reais?...
“Castelã da tristeza”
Ao reler
agora Florbela Espanca, veio-me à ideia a lembrança de um extracto
do livro Voo nocturno
do escritor e piloto aviador francês, Antoine de Saint-Exupéry. Uma
das personagens principais deste romance é Fabien um piloto aviador
(tal como Saint-Ex.). Quase no final da narrativa, a personagem
Fabien, de noite, a bordo do seu avião, atravessa uma tremenda
tempestade, e tendo perdido o contacto com a torre de controlo, em
Buenos Aires, para onde se dirigia, acabou por se desnortear e se
perder. Tentando sair do negrume da tempestade, e não tendo
referências, Fabien elevou-se nos ares acima das nuvens, que iam
clareando, e atingiu uma zona onde via as estrelas, esplendorosas na
sua luminosidade. (Mau presságio: a personagem Fabien vai
despenhar-se, caindo do céu, no seu avião). Mas antes do desastre,
há um momento de exaltação que nos é descrito da seguinte forma:
«Ele
[Fabien] vagueava por entre as estrelas acumuladas com a densidade de
um tesouro.[…] Por entre preciosas pedrarias, ele vagueia,
infinitamente rico, mas condenado.»
Voo nocturno -Antoine
de Saint-Exupéry (trecho traduzido e adaptado)
Não
condenada, espero, mas é este o sentimento de riqueza, de «…riqueza
acumulada com a densidade de um tesouro», que eu própria
experimento ao abordar a poesia de Florbela Espanca. Exactamente pela
riqueza, pela opulência e pelo brilho estelar das palavras, das
imagens, das sensações e das sugestões desta linguagem mágica,
vertida em sonetos de impecável recorte clássico. E também pela
grandeza imensa e subida, a tocar as estrelas, do seu amor, dos seus
anseios, dos seus sonhos, da sua saudade…saudade de um mundo que
ela entreviu para lá da vida… numa dimensão superior… «Em
Florbela Espanca, não há voos filosóficos, mas há transcendência»
- observa Aurélia Borges que foi discípula de Florbela Espanca e
sua fiel amiga.
Florbela
tem, dentro da alma, o desejo intenso de alcançar o Absoluto, o
Infinito:
«Porque
o meu Reino fica para além…
Porque
trago no olhar os vastos céus
E
os oiros e clarões são todos meus!...»
“Versos de orgulho”
«O amor de um homem? – Terra tão pisada
Gota de chuva ao vento baloiçada…
Um homem? – Quando eu sonho o amor de um Deus!...»
Diz-nos o
escritor José Régio que «…vários sonetos nada ficam a dever aos
melhores da língua portuguesa.» E prossegue: «Florbela nasceu
artista, nasceu esteta. Sobretudo por ter demonstrado que soube lidar
com as palavras, de modo a fazê-las render o máximo de sugestão,
de expressão, de relevo. Muitos dos seus versos são verdadeiros
tesouros de sugestão.» (Fim de citação).
Na poesia
de Florbela, temos como atrás ficou dito, expressivas influências
do Romantismo, do Parnasianismo, do Decadentismo, e do Simbolismo. Há
aspectos em que estes movimentos literários se entrelaçam e há
aspectos em que se opõem. Em todos eles Florbela colheu o seu
lirismo, a sua capacidade de sugestão, o luxo das palavras, algumas
raras, carregadas de beleza de sugestões várias, e ainda o requinte
e a elevação do verso bem talhado, escultórico, perfeito, musical.
«De
la musique, avant toute chose» -»
-A música, antes de tudo» - dizia o poeta Simbolista Verlaine.
Românticos
são os seus arroubos poéticos, na expressão do mais ardente amor,
pletórico de sentimento e de erotismo. Numa vibração muito
feminina e muito exaltada, o amor é avassalador, total. Florbela
Espanca investiu no amor as suas ânsias mais ardentes de Absoluto,
de Infinito. O intimismo lírico, o tom confessional e a expressão
de uma tristeza, saudade e angústia que nada mitiga, bem como o
sentimento de solidão, são também traços do Romantismo,
potenciados pelo seu pendor melancólico e pelo seu drama
existencial. Na sua poesia avulta ainda, à maneira dos Românticos
(e já dos Pré-Românticos) o gosto pela paisagem ensombrada e o
gosto pela noite.
Note-se a
veemência arrebatada da expressão da angústia:
Ó
chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem
ao mundo inteiro esta amargura,
Digam
isto que sinto, que eu não posso.
Neurastenia
Note-se o
gosto pela noite, pela escuridão, tão própria dos Românticos e
também dos Simbolistas:
Eu
não gosto do sol, eu tenho medo
Que
me leiam nos olhos o segredo
De
não amar ninguém, de ser assim!
Gosto
da Noite imensa, triste, preta,
Como
esta estranha e doida borboleta
Que
eu sinto sempre a voltejar em mim!
“A minha
tragédia”
E
a vastidão do mar, toda essa água,
Trago-a
dentro de mim, num mar de mágoa!
E
a noite sou eu própria! A Noite escura!!!
Note-se o
amor arrebatado, avassalador:
E
é amar-te assim perdidamente…
É
seres alma e sangue e vida em mim
E
dizê-lo, cantando, a toda a gente!
O
Parnasianismo, movimento literário essencialmente poético, surgido
como reacção contra o Romantismo, e proclamando «a Arte pela
Arte», manifesta-se, entre outros aspectos, pelo culto da beleza
formal. Influencia Florbela Espanca na perfeição dos seus sonetos,
impregnados de harmonia e de equilíbrio, de escultórica estrutura,
de serena beleza.
Quem
me dera encontrar o verso puro,
O
verso altivo e forte, estranho e duro
Que
dissesse a chorar isto que eu sinto.
“Tortura”
O
Simbolismo e o Decadentismo emprestam à poesia de Florbela o
requinte formal (como no Parnasianismo), e sobretudo as temáticas do
isolamento e do egotismo altivo do poeta, o gosto (que já vem do
Romantismo) pelo impalpável, o vago, o nebuloso e o indefinido, bem
como a visão pessimista da existência. O Simbolismo e o
Decadentismo cultivam, de modo muito acentuado, a musicalidade do
verso, fazem o aproveitamento estético da camada sonora das
palavras, o significante, e investem nos ritmos, nas cadências, usam
palavras requintadas e raras, semanticamente ricas e plenas de
sugestões várias, de modo a apreenderem a beleza, a delicadeza e os
matizes dos estados de alma, e um mundo intangível, porque
metafísico.
O poeta
António Nobre (a quem Florbela chamava pelo nome mítico-literário,
“Anto”) influenciou também a Poetisa, sobretudo pela egolátrica
nostalgia de um mundo sonhado, pela atitude de fechamento
aristocrático, pelo saudosismo, mas também pela poetização do
real quotidiano e pela musicalidade e o ritmo do verso.
Torre
de névoa
Subi
ao alto, à minha Torre esguia,
Feita
de fumo, névoas e luar,
E
pus-me, comovida, a conversar
Com
os poetas mortos, todo o dia.
Contei-lhes
os meus sonhos, a alegria
Dos
versos que são meus, do meu sonhar,
E
todos os poetas, a chorar,
Responderam-me
então: - « Que fantasia,
Criança
doida e crente! Nós também
Tivemos
ilusões como ninguém,
E
tudo nos fugiu, tudo morreu!...»
Calaram-se
os poetas, tristemente…
E
é desde então que eu choro amargamente
Na
minha Torre esguia, junto ao céu!...
……………………………….
Fui
tudo o que no mundo há de maior,
Fui
cisne, e lírio e águia e catedral!
E
fui, talvez um verso de Nerval,
Ou
um cínico riso de Chamfort…
………….
Ah!
De Boabdil, fui lágrima na Espanha!
E
foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha!
Mágoa
não sei de quê! Saudade louca!
O meu mal
Perpassa
pela poesia de Florbela Espanca o amor avassalador, sentimental,
feito de profundos afectos e de vibrante sensualidade, o erotismo que
se sente em muitos dos seus versos, como aliás, já foi dito. Mas
também, e de um modo muito sentido e muito íntimo, o amor à terra,
à sua terra.
Diz-nos Massaud Moisés (e passo a citar):
«Uma
tão obsessiva e poderosa capacidade de amar, sendo incompreendida,
derrama-se na Natureza, originando poemas de tons panteístas, logo
transformados em melancólica ternura pela terra-mãe, por Évora,
pelos lugares da adolescência e por si própria.«(Fim de citação).
É a
charneca alentejana, a sua Charneca em
flor, com a qual Florbela se identifica,
como sua voz e como sua Musa:
«Charneca
em flor
Enche
o meu peito, num encanto mago,
O
frémito das coisas dolorosas…
Sob
as urzes queimadas nascem rosas…
Nos
meus olhos as lágrimas apago…
Anseio!
Asas abertas! O que trago
Em
mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me
as palavras misteriosas
Que
perturbam meu ser como um afago!
E
nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo
a minha mortalha, o meu burel,
E
já não sou, Amor, Soror Saudade…
Olhos
a arder em êxtases de amor,
Boca
a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou
a charneca rude a abrir em flor!»
Na
obra do Dr. José Carlos Fernández, Florbela
Espanca, A vida e a obra de uma Poetisa,
podemos ler, de Aurélia Borges, uma citação colhida no seu livro
Florbela Espanca e a sua obra:
«Florbela
é a grande intérprete da alma ardente, sequiosa e iluminada, da
imensa planície alentejana. Ninguém como ela, em verso ou em prosa,
nos soube dar o espelho fiel da grande charneca.»
Não posso
deixar de assinalar que o Director da “Nova Acrópole” em
Portugal, Dr. José Carlos Fernández, ilustre escritor, filósofo e
investigador, filho da «nobre Espanha» (como diria Camões),
apresenta, no seu livro, um poema retirado do espólio de Fernando
Pessoa, e no qual o Poeta considera Florbela como a sua alma gémea.
«Em
memória de Florbela Espanca
Fernando
Pessoa
Dorme,
dorme, alma sonhadora,
Irmã gémea
da minha!
Tua alma
assim como a minha,
Rasgando as
nuvens, pairava
Por cima dos
astros
À procura
de novos mundos,
Mais belos,
mais perfeitos, mais felizes.»
………………………………………..
Todos
sabemos que Fernando Pessoa domina literariamente todo o século XX e
é, com Camões, a mais importante figura das letras portuguesas.
A recolha
de sonetos de Florbela Espanca é composta de quatro livros, a saber:
Livro de Mágoas,
Livro de Soror Saudade,
Charneca em Flor
e “Reliquiae”.
O
que é a poesia? O que é ou quem é o Poeta?
E Platão
dá-nos a resposta:
«Coisa
leve, alada e sagrada, é o poeta…»
Na concisão
destas palavras, temos a menção da delicadeza da essência do acto
poético, da iluminação que lhe é própria, rumo a novos e
insuspeitados horizontes, e temos também a noção de que quem faz
poesia é alguém que está impregnado de algo de divino ou que,
privilegiadamente, está sob protecção divina.
Esta
concepção do acto poético como um “furor poeticus” e do poeta
como um ser iluminado, abençoado por um deus, sofreu grandes
modificações ao longo dos séculos.
A poesia é
uma especial manifestação de Beleza, pelo sentido ( o significado)
pelo som (o significante), as sonoridades, agradáveis pela
alternância de fonemas bem combinados, e ainda pelas sugestões
várias que desperta em cada ouvinte, em cada leitor…
Sabemos que
a obra literária é semanticamente autónoma, pois a sua verdade e a
sua coerência, como um todo orgânico, são de natureza
contextual-interna. Embora não seja, também uma entidade autónoma,
fechada em si. A obra literária mantém conexões com o real, ao
nível do símbolo, da fantasia daí decorrente, da tentativa de uma
interpretação ou de uma significação outra do mundo e da vida. A
condição para que um texto seja literatura é o ser obra imaginária
e ser capaz de provocar emoção estética, ou seja: criar Beleza. Um
texto com estes predicados é obra de arte.
Segundo o
poeta norte-americano, Edgar Allan Poe, o mestre da moderna poesia,
«a Beleza é o único fim da poesia e de toda a literatura». «E a
Beleza – prossegue - consiste numa voluptuosa elevação da alma.»
Contudo,
estes poetas da modernidade consideram que a poesia, a literatura em
geral, não procedem apenas da inspiração, da originalidade
individual, de uma qualquer “iluminação” extática. Assim o
grande Charles Beaudelaire, na encruzilhada de três escolas
literárias, o Romantismo, o Parnasianismo e o Simbolismo, menciona o
magistério de Edgar Allan Poe e de De Maistre, dizendo: «De Maistre
e Edgar Allan Poe ensinaram-me a raciocinar». Com efeito,
Beaudelaire aprendeu, assim, o gosto pela claridade mental e a
desconfiança perante o entusiasmo poético, desprovido de
racionalidade. Estamos longe da concepção clássica da Antiguidade,
segundo a qual o poeta fazia poesia em transe, possuído de uma
“divina loucura”, dádiva abençoada de alguma divindade. Assim,
diz-nos Charles Beaudelaire, «…o acto poético não se identifica
com o abandono à emoção, ao sentimento […] mas exige rigor,
lucidez, obstinação.» Na mesma linha, Paul Valéry diz-nos que «…a
criação poética é uma actividade de puro rigor mental, uma ascese
da inteligência e da vontade; não o resultado de uma alucinação,
um sonho, um arroubamento, ou um êxtase.» E o poeta brasileiro
Carlos Drummond de Andrade ensina-nos:
«O que
pensas e sentes, isso ainda não é poesia.»
E acrescenta: «A poesia mora no reino das palavras […] «…lá
estão os poemas que esperam ser escritos.»
Assim, a
teoria do “fingimento poético” de Fernando Pessoa representa um
carácter fundamental de toda a literatura: ser criação imaginária,
transfiguração estética da realidade: pensamento, anseio ou
vivência concreta. Só depois dessa “transfiguração” do real,
obra da inteligência, porque é nela que se realiza, produto do
labor do poeta, criando Beleza, só depois, aquilo que é dito ou
escrito é digno de ser considerado obra de arte literária.
Já o poeta
Horácio, na Roma da Antiguidade, não negando a necessidade e o
valor dos dons naturais do poeta, a energia vital que lhe é própria,
no acto criador, sublinha o valor da cultura, do bom gosto e do
trabalho paciente, que permite aperfeiçoar o poema (ou - acrescento
eu – qualquer obra de arte).
Contudo,
para lá de todas as teorias e doutrinas literárias, o Professor
Doutor Vítor Manuel Pires de Aguiar e Silva, um dos maiores teóricos
de Literatura do mundo inteiro, glória de Portugal, meu Mestre de
Literatura Portuguesa na Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, diz-nos: «…uma forte ambiguidade, um esfíngico segredo,
hão-de envolver sempre a criação poética.»
Nenhuma
obra de arte é unívoca. A riqueza de cada uma reside na pluralidade
de sentidos, de sugestões e de emoções que desperta. Como um
diamante lapidado, a obra de arte brilha, soberanamente, em todas as
direcções. A sua riqueza reside na emoção estética que desperta:
o esplendor da Beleza.
Impunham-se
estas considerações, antes de regressarmos a Florbela Espanca.
No início
do seu Livro de Mágoas,
inscreveu a Poetisa os seguintes versos do introdutor do Simbolismo
em Portugal, Eugénio de Castro (discípulo de Beaudelaire, de
Verlaine e de Mallarmé, entre outros).
E passo a
dizer os versos de Eugénio de Castro:
«Procuremos somente a beleza, que a vida
É
um punhado de areia ressequida
Um
som de água ou de bronze e uma sombra que passa…»
Aqui
temos, em Eugénio de Castro, como em Florbela, os temas clássicos
da beleza e da transitoriedade da vida, este último a lembrar
Heraclito de Éfeso quando nos diz: «Ninguém se banha duas vezes
nas águas do mesmo rio.»
Mas
fixemo-nos nas primeiras palavras dos supracitados versos de Eugénio
de Castro:
«Procuremos somente a
beleza…»
E dou, uma
vez mais, a palavra a Florbela Espanca:
«Tardes da
minha terra, doce encanto,
Tardes duma
pureza de açucenas,
Tardes de
sonho, as tardes das novenas,
Tardes de
Portugal, as tardes de Anto.
Como eu vos
quero e amo! Tanto! Tanto!
Horas
benditas e leves como penas,
Horas de
fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas
de dor em que eu sou santo!
«Noitinha
A
noite sobre nós se debruçou…
Minha
alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O
luar, pelas colinas, nesta hora,
É
água dum gomil que se entornou…
Não
sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura
alguém, pelas quebradas fora…
Flores
do campo, humildes, mesmo agora,
A
noite os olhos brandos lhes fechou…
Fumo
beijando o colmo dos casais…
Serenidade
idílica das fontes,
E
a voz dos rouxinóis nos salgueirais…
Tranquilidade…
calma… anoitecer…
Num
êxtase, eu escuto, pelos montes,
O
coração das pedras a bater…»
Razão tem
o filósofo grego, Platão, quando nos diz:
«À vista
da beleza, ganham asas as nossas almas.»
Segundo o
mesmo filósofo, o Belo serviria para conduzir o homem à perfeição.
Efectivamente, a Beleza eleva os nossos espíritos.
E Sócrates,
o maior filósofo da Antiguidade Clássica, dizia:
«Toda a
beleza é difícil.»
Na opinião
do filósofo alemão Arthur Schopenhauer: «O belo é um
resplandecer, um esplendor, uma cintilação com que o supra-sensível
Bem se revela na dimensão do sensível, atraindo-nos.»
E citando,
de novo, Platão: «… o que os humanos chamam Amor é somente uma
parte ínfima do autêntico amor – este é o desejo do Belo e do
Bem, da Sabedoria e da Felicidade, da Imortalidade, do Absoluto.»
Este Absoluto que a Poetisa procurava no Amor, com a ânsia ardente
de quem sonha com o Infinito…
E é já
nos finais do século XX, ou no dealbar do século XXI, que o
eminente teólogo, Joseph Ratzinger (hoje Sua Santidade o Papa Bento
XVI), responde a Florbela Espanca e a cada um de nós:
«Só o
Infinito preenche o nosso coração.»
***
Maria Irene
Bernardo Cardoso
Lamego,
9 de Fevereiro de 2013
domingo, 10 de fevereiro de 2013
A CASA ASSOMBRADA - Conto de Aurora Simões de Matos
A Casa
Assombrada
Conto
Não
havia volta a dar. A casa estava assombrada e ninguém se atrevia a
passar-lhe por perto, a partir do lusco-fusco que cobria a Terra com seu manto de dúvidas e temores.
Não
havia volta a dar. Apesar de ainda habitável e senhora de certo
conforto que outras ao redor não possuíam, ninguém conseguia
dormir nela nem que fosse um curto sono, comer nela nem que fosse um
moado de caldo, acender na tosca lareira uma rápida fogueira de
pinhas. Rezar nela um padre nosso pequenino.
Vasculhando
nas memórias de uma vida, Ti Belmiro Penata, que na infância vivera
muito perto da Casa
Assombrada, lembrava,
para a equipa de uma estação de rádio que o entrevistava, as
peripécias insólitas que sempre fizera por esquecer.
Mesmo quando a força das lembranças o incomodava, assobiava para o lado, rezava o Credo em Cruz e fazia-se de forte. E quando os sonhos lhe povoavam a noite de visões macacas, levantava-se mais cedo, ia à fonte lavar a cara com água fresca e munia-se de sachola, como quem se arma contra o Rabudo, com vontade de lhe cortar o rabo. E os chifres. Que os tinha o bicho, afiançava ele. Bem lhos tinha visto uma noite, ao vir do talhadoiro do Senhor dos Caídos, carreiro acima, à luz da lua cheia.
Mesmo quando a força das lembranças o incomodava, assobiava para o lado, rezava o Credo em Cruz e fazia-se de forte. E quando os sonhos lhe povoavam a noite de visões macacas, levantava-se mais cedo, ia à fonte lavar a cara com água fresca e munia-se de sachola, como quem se arma contra o Rabudo, com vontade de lhe cortar o rabo. E os chifres. Que os tinha o bicho, afiançava ele. Bem lhos tinha visto uma noite, ao vir do talhadoiro do Senhor dos Caídos, carreiro acima, à luz da lua cheia.
―
Então, conte lá, Ti Belmiro. Alguma vez, como vizinho que foi desta
casa, viu ou sentiu aqui alguma coisa estranha?
―
Pois então não vi? Vi eu e viu quem quis ver... Aquilo eram festas
e mais festas, barulho de concertinas, passos de grandes bailações.
Pelas janelas abertas, viam-se luzes a passar, embora a casa
estivesse vazia. As velas acesas cruzavam-se no ar, como se alguém
as levasse na mão!
―
Mas não havia mãos; só havia velas...
―
Exatamente. Ainda me arrepio, só de falar nisso. Credo em Cruz,
Santo Nome de Jesus! Abernúncia!
E
Ti Belmiro, homem dos seus setenta e tais, passava as costas da mão
pela testa, como que a limpar os suores frios que lhe causavam tais
lembranças.
―
Mas agora já não se vê nada disso... ―
continuava o entrevistador.
―
Pois não! Mas para isso tiveram que vir aí três padres benzer a
casa. Estiveram ali metidos durante três dias e três noites e
ninguém sabe o que lá se passou.
―
E de quem é esta casa?
―
A Casa Assombrada
dantes chamava-se Casa
das Rolhas, porque os
donos tinham aqui família, mas viviam há muito lá para perto de
Lisboa, onde negociavam em rolhas de cortiça. Era gente de teres e
poucas vezes estavam por cá. Só durante algum tempo de verão. E nem sempre. Até que acabaram as visitas e deixaram isto tudo ao
abandono.
―
Mas agora está tudo em paz!
―
É o estás! Acabaram-se as festas e as luzes, mas ficou o Rabudo.
Ele há noites, quando a lua cheia deixa tudo iluminado, em que
muitos já viram aí à porta, ou à janela, ou mesmo em cima do
telhado, um macaco de grande rabo e dois chifres. Como se fosse um
chibo, mas com cara de macaco. Chamam-lhe o Rabudo.
É o diabo que ficou a guardar a casa. Ninguém se atreve a chegar-se
perto. Mesmo os animais, quando passam ali à porta, na encruzilhada
dos quatro caminhos, ficam mudos e começam a andar de lado, virando
o focinho, como que a desviarem-se. Vê-se que os bichinhos ficam
contrariados.
―
Mas isto acontece em algum outro lugar, aqui nas redondezas?
―
Não senhor! O que eu sempre ouvi dizer foi que esta casa, há
muitos, muitos anos, funcionou como cadeia. Eram tempos de guerra e
por aqui passou um grupo de soldados inimigos, que entraram na aldeia
e fizeram pouco de todas as mulheres que encontraram. Abusaram delas
e mataram-lhes os filhos pequenos. Mas os homens da terra
juntaram-se, apanharam-nos e meteram-nos na tal casa, deixando-os
morrer à fome. Mais tarde, a casa foi comprada pelos tais das
rolhas. Mas nunca ali houve sossego. Também há quem tenha ouvido
gritos vindos do forno da cozinha. Por acaso, eu nunca ouvi nada
disso. Agora as danças das velas e o Rabudo
em cima do telhado, isso eu vi, sim senhor.
―
Ó Ti Belmiro, e aquelas Alminhas mesmo na encruzilhada, também já
têm muitos anos?
―
Há umas Alminhas e três cruzes de pedra. É que, por via destas
coisas, já ali morreram três pessoas, em alturas diferentes e de
maneiras diferentes.
Um rapaz morreu de desastre, quando a motorizada se despistou e foi cair no barroco, a uma altura de trinta metros. Outro morreu com duas facadas, quando um vizinho deu com ele a roubar-lhe a água da rega no talhadoiro. E a terceira, uma rapariga ainda jovem, caiu ali morta, engasgada com uma côdea de pão. Tudo mortes macacas. Por isso é que lá foram postas as cruzes. E as Alminhas são para se rezar e recolher esmolas para as almas do purgatório.
Um rapaz morreu de desastre, quando a motorizada se despistou e foi cair no barroco, a uma altura de trinta metros. Outro morreu com duas facadas, quando um vizinho deu com ele a roubar-lhe a água da rega no talhadoiro. E a terceira, uma rapariga ainda jovem, caiu ali morta, engasgada com uma côdea de pão. Tudo mortes macacas. Por isso é que lá foram postas as cruzes. E as Alminhas são para se rezar e recolher esmolas para as almas do purgatório.
Enquanto
dura a conversa entre o aldeão e os dois entrevistadores, vai-se
juntando gente curiosa, cada qual comentando o assunto à sua
maneira, mas nunca olhando de frente para a Casa
Assombrada.
Nisto,
um rapazito, na inocência da sua traquinice, observou aos berros:
―
Ó avô, está uma cabra em cima do telhado! É a cabra preta da Ti
Zulmira!
Aproveitando
o ajuntamento e fazendo-se de forte, o senhor Mendonça foi a casa
buscar a caçadeira e, indiferente aos avisos e receios do pessoal
presente, atirou a matar. Dois tiros de espingarda, bem certeiros, na
barriga daquela cabra chifruda.
―
Cuidado, que é a cabra preta da Ti Zulmira!
―
Cuidado, que é o macaco Rabudo!
―
Cuidado, que é o diabo a vigiar-nos! Credo em Cruz, Santo Nome de
Jesus! Abernúncia!
T'arrenego, Satanás!
―
Ai a minha rica cabra preta! ―
vociferava Ti Zulmira.
Mas
já o cheiro de pólvora queimada invadia os ares, enquanto o animal,
resvalando pelas lousas do telhado da Casa
Assombrada, caía no
chão com grande estrondo, uma nuvem de fumo escurecia os ares e os
vidros do carro dos jornalistas, inexplicavelmente, se rachavam de
alto a baixo.
―
Será que matámos o diabo?
―
Não há dúvida! Ele vai aparecer por aí outra vez! ―
comentavam os mais desconfiados.
―
Credo em Cruz! Isto é um espelho nunca visto!
A
notícia correu veloz por toda a freguesia e o sineiro da igreja
paroquial tomou a iniciativa de tocar os sinos a rebate, em sinal de
alvoroço.
―
Tontice! ―
rematou o senhor Abade. Sempre haverá Deus e sempre haverá o Diabo
a querer fazer-Lhe frente.
Mas
já a voz aflita e revoltada de Ti Zulmira reagia aos acontecimentos,
exigindo justiça.
―
E agora, quem me vai pagar a minha cabra preta?
Aurora Simões de Matos
Do livro "Contos de Xisto"
Editora Edições Esgotadas
(Também à venda na Net)
terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
INSÓNIA - Poema de Aurora Simões de Matos
INSÓNIA
POEMA
Quando a solidão tomar conta de mim
E a insónia da noite acontecer
Quando a surdez do grito reprimido
Aumentar ainda mais o meu sofrer
Quando a injustiça da vida traiçoeira
Continuar sobressalto e pesadelo
E a cicatriz ainda por fechar
Teimosamente resolver sangrar
Quando a solidão tomar conta de mim
E o meu peito, ofegante de cansaço
Ou quem sabe, sedento de emoção
Não conseguir conter aquele soluço
Que me sacode o corpo num frémito de dor
E angústia e revolta... e raiva... e desamor
Por muito insónia que minha noite esteja
Por muito injusto que meu soluço seja
Lá fora a noite esqueceu já meu pranto
Lá fora a noite continua linda
Lá fora há luz, há cor, há céu, há mar
Lá fora, há gente que me espera ainda
Lançarei ao vento meu queixume magoado
Apanharei a pétala que o vento me trouxer
Farei dessa pétala um amuleto perfumado
Meu mais belo segredo de Mulher
Deixarei florir meu riso embriagado
Deixarei fruir minha gargalhada linda
Lá fora, há gente que me espera ainda
E à injustiça do destino traiçoeiro
Que lançou no abismo meu gozo mais profundo
Responderei serena, forte, de cabeça erguida
Lançarei, corajosa, um desafio ao Mundo
Largarei os fantasmas do meu coração
Para conceder à Vida... outra vez... o meu PERDÃO
Aurora Simões de Matos
sábado, 2 de fevereiro de 2013
CHUVA MIUDINHA
POEMA
Era uma chuva miudinha
muito leve,
tão leve que não caía
em vez de cair, subia
e andava pelo ar,
com vontade de brincar.
Só que eu não queria,
nem sequer me apetecia
brincadeira
e fiquei a olhar a chuva,
à minha porta encostada,
de maneira
a não ser importunada.
Mas a chuva miudinha
entrou
pela minha porta dentro
sem cerimónia nenhuma,
brincando ao sabor do vento
e molhou
e molhou-me todo o rosto
e levou minha pintura
e desfez meu penteado
e me deixou tão sem jeito,
que me deu para pensar
como é
que uma chuvinha a brincar
pôde meu dia estragar...
Aurora Simões de Matos
Subscrever:
Mensagens (Atom)