LITERATURA INFANTIL
( CONTO DE AURORA SIMÕES DE MATOS )
Para o meu neto Miguel, de seis anos, ( e hoje com doze), escrevi este conto que lhe ofereço, com muito amor.
( CONTO DE AURORA SIMÕES DE MATOS )
Para o meu neto Miguel, de seis anos, ( e hoje com doze), escrevi este conto que lhe ofereço, com muito amor.
****** Os Anjos das Nuvens ******
Chovia...
chovia... chovia...
Não
era aquela chuva grossa que, em certos dias invernosos, parece querer
desabar do Céu em longas cordas, por onde podem descer os Anjos
das Nuvens.
Não
era aquela chuva certinha, benfazeja aos rios e regatos, poços e
albufeiras, hortas e renovos, pomares e searas de pão. Disposta a
matar a sede aos homens, aos animais e aos Anjos das Nuvens,
quando na terra se demoram a conquistar o coração das crianças.
Chovia...
chovia... chovia...
Era
uma chuva miudinha, uma molinha, levezinha, levezinha, que em vez de
cair, subia e andava pelo ar, com vontade de brincar. A balouçar-se
por sobre as casas e os campos, os jardins e os caminhos dos homens.
Assim, como se uma réstIa de sol envergonhado, atravessando os ares,
encontrasse uma brisa fresca e nela deixasse o suor dos seus
cansaços.
Era
uma chuva miudinha, um chuvisco que mais parecia orvalho. O dia não
estava quente, mas também não havia grande frio. Tanto que o
menino, debaixo do alpendre por detrás da casa, à beira da porta
que dava para o quintal, brincava sozinho com os seus piões de todas
as cores. Lançava-os uns contra os outros e, naquele rodopio doido,
imaginava o que um menino de seis anos pode imaginar. Mas estaria
sozinho por pouco tempo.
-
Avô... avô... o carro vermelho é mais forte que o verde. O verde
foi contra ele, atingiu-o no para-brisas e ele nem se desviou, nem
abrandou. Continuou à mesma velocidade. E o verde abrandou e caiu
para o lado.
-
Podia ter havido um grande acidente! - exclamou o avô, entrando na
onda do pequenito.
- Por
acaso até podia, porque bateram com muita força. E vão cheios de
passageiros, numa bela viagem.
- Não
me digas! Onde será que eles vão?
- Vão
mostrar o comboio ao filho mais pequeno.
-
Então não atires nada contra eles. Podes assustar quem lá vai
dentro. Deixa-os ir sossegados.
O avô
percebeu a intenção do menino.
-
Miguelito, também queres ir ver o comboio?
-
Claro que quero! - respondeu, abrindo mais o olhar e o sorrir.
E,
chamando para dentro de casa:
-
Mamã, posso ir com o avô ver o comboio?
-
Podes sim, mas antes quero que chegues aqui à janela e vejas o
arco-íris. Olha que lindo, além, a ligar o ribeiro à encosta do
monte.
- É
muito grande e às cores!... Avô, já viste o arco-íris?
- Já
vi muitos, quando o sol quer brincar com os Anjos das Nuvens.
Costuma formar-se em dias húmidos, porque a chuvinha também gosta
de entrar na brincadeira. O sol e a chuva combinam e armam aquele
grande arco a ligar o ribeiro ao monte, passando pelo Céu.
- E
tem tantas cores...
-
Pois é. Tem sete cores o arco-da-velha.
- O
que é o arco-da-velha? - gargalhou Miguelito.
- É
como na minha aldeia se chama ao arco-íris. E também há quem o
chame arco-da-aliança. Mas é sempre o mesmo arco. Tem sete cores e
por isso é que é tão bonito e vistoso. Toda a gente para um
instante só para o contemplar, pois que ele raramente aparece.
- E
tem luz...
- É
a luz do sol, muito suave, a iluminar as gotinhas de água que o
chuvisco deixou no ar ou que se desprenderam do ribeiro. Por essas
gotinhas de cores variadas é que hão de subir os Anjos das
Nuvens ao seu lugar no Céu, por entre as estrelas da noite e as
nuvens brancas do dia.
- Mas
eu não vejo os anjos a subirem...
-
Nunca, nunca ninguém os viu. Mas todos sabem que eles estão lá,
sentadinhos nas cores do arco-íris.
-
Gostava tanto de os ver... E que estão ali a fazer?
-
Pois eu explico-te. Quando chove com muita força, os Anjos das Nuvens descem pelas cordas de chuva, desde o Céu até à Terra.
Dizem que vêm proteger as crianças. Elas não dão conta, mas eles
observam-nas, riem com as suas alegrias, entristecem quando elas
ficam doentes... ou quando fazem tolices...
- E
agora vão-se todos embora, penduradas nas cores do arco-íris?
-
Não, não! Vão alguns, mas outros ficam. Lembras-te daquela chuva
grossa da semana passada? Pois de certezinha que alguns deles
desceram à Terra nessa ocasião. Estes que vão hoje embora, já cá
andavam há mais tempo. Penso eu e penso bem.
-
Estás a falar a sério, avô? Tu às vezes inventas...
E
Miguelito, deslumbrado com as palavras do avô e com a beleza e
tamanho daquele arco colorido, pergunta, sem dele tirar os olhos
muito abertos:
- E
se, em vez de irmos ver o comboio, fôssemos ver mais de perto o
arco-íris?
- Não
convém... porque podemos assustar algum anjo e ele cair e magoar-se.
Olha que nunca ninguém viu um espetáculo daqueles, assim de muito
perto! Penso eu e penso bem. Só se deve ver de uma certa distância,
sem perturbar o que ali se passa.
Mas
Miguelito não desarma.
-
Nunca vi nenhum Anjo das Nuvens a olhar para mim. Gostava bem
de ver. São assim, da minha altura, avô?
-
Pois eu também nunca vi nenhum, mas sei que alguns andaram perto de
mim, quando eu era menino como tu.
A mãe interrompeu, sorrindo:
A mãe interrompeu, sorrindo:
-
Pensas tu e pensas bem, meu pai!
-
Claro! Então eu ensino-vos aos dois aquilo que aprendi com o meu
avô, que Deus tem há muitos anos.
Cada
grupo de anjos tem na Terra uma missão muito especial, conforme a
cor que ocupa no arco-íris.
Os
que agora sobem ao Céu pela cor vermelha abençoaram as crianças
com a inteligência e a sabedoria.
Os
que sobem pela cor laranja vieram trazer-lhes a vontade e o querer.
Os da
cor amarela ofereceram aos meninos a alegria e a felicidade de
poderem brincar.
Aqueles
que estão agora sentados na cor verde deixaram aos pequeninos a
capacidade de pensar e de sonhar.
Mas
os donos da cor azul são também os donos do amor e da amizade que
espalharam pelo mundo da infância.
E os
anjos responsáveis pela cor anil presentearam a pequenada com duas
grandes qualidades: o respeito e a gratidão a quem possa fazer-lhes
bem.
- Só
falta uma cor, avô!
-
Pois é. Só falta o violeta . Deixa lá ver se me lembro o que me
ensinou o meu avô!... Já sei, já sei... Os anjos da cor violeta trouxeram para as crianças um braçado de afetos que eles, pela vida
fora, hão de distribuir pelos que os rodeiam. E pensando melhor:
oxalá que o meu neto tenha algum para me dar hoje, porque me sinto
cansado de tanto pensar e recordar.
Já
Miguelito se aninha no colo do avô, cobrindo-o de beijos e de mimos.
E a mamã, sorrindo de ternura, abraça também seu pai.
-
Mas, ó pai, tu nunca me falaste a mim dessas coisas tão bonitas...
-
Pois não, porque estas são conversas próprias de avós e netos. E
ainda não falei nos cânticos dos Anjos das Nuvens.
E
continuou:
- Com
as sete notas musicais, uma por cada cor do arco-íris, compõem-se
todos os cânticos da Terra. E também os do Céu. Então, cada grupo
de anjos e todos juntos podem compor as mais belas melodias. Assim,
vão enfeitando a natureza com diversos sons, acordes e canções.
-
Nunca ouvi! - interveio o rapazinho.
- Nem
eu! - acrescentou a mamã.
-
Pois não é bem assim. Penso eu e penso bem.
Então,
quem não ouviu o som brando da brisa levezinha nas folhas do
plátano? E a vozearia forte do vento, a soprar quando se zanga?
Então,
quem não ouviu a música cristalina da água a correr mansinha no
regato? E o bramido violento do mar, quando se desdobra em altas
ondas revoltadas?
Então,
quem não sentiu a branca neve a tombar fofinha no jardim? E a
saraiva brincalhona a saltitar às bolinhas, nas pedras da calçada?
E o cantar da chuva no telhado, a embalar a gente?
Então,
e quem não ouviu o eco de um grito lançado à boca de um poço
vazio? E o ribombar estrondoso do trovão a amedrontar o mundo?
- Já
o meu avô, que Deus tem há muitos anos, achava que esses sons da
natureza eram obra dos Anjos das Nuvens. E eu também
acredito. E tu, Miguelito?
- Eu
também acredito, porque foi o avô que disse.
- Um
dia, quando fores velhote, vais também ensinar estas histórias aos
teus netos.
- Mas
eu não quero ser velhote...
-
Porquê? Ainda falta muuuuuito tempo.
-
Porque os velhotes já trabalharam tanto e eu não gosto. Eu só
quero brincar, avô.
A
chuva miudinha acabou por dar lugar a um sol fagueiro, de consolar o
corpo e o espírito. O arco-íris desaparecera como por encanto. No
seu lugar, ficaram os pensamentos de quem, algum dia, acreditou na
passagem dos Anjos das Nuvens por ali.
Aurora Simões de Matos
O Conto "Os Anjos das Nuvens" foi publicado no livro " Leituras "
Edição em co-autoria ( Setembro de 2012 )
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