ALI PASSAVA UM RIO
AQUI ERGUEU-SE UM TEMPLO
Uma só voz bastava para formar um coro
palavras dispersas no chão em estendal
alargado até perder de vista
ao alcance de todos os sentidos
de todos os caminhos sinal de quantas águas
que poço de memórias e segredos
por mim viessem correr
Aqui passava um rio
*
Uma só voz bastava para cantar o hino
que no lastro de uma vida acomodada
ao avesso das coisas ao tamanho de horizontes
onde o mundo se alarga em sóis e neblinas
fosse ainda a sobra de qualquer madrugada
cujo feitiço transbordasse para além do tempo
Aqui brilhava um astro
*
Uma só voz bastava para contar a história
das dores e alegrias de quantas histórias
se cruzassem em turbilhão de afectos
a vida em socalcos requebrados
de trabalhos e canseiras
num prodígio de natural deslumbramento
em cenário inviolável aos horizontes do querer
Aqui ria uma fonte
*
( ... )
*
Uma só voz bastava para cantar o hino
que no lastro de uma vida acomodada
ao avesso das coisas ao tamanho de horizontes
onde o mundo se alarga em sóis e neblinas
fosse ainda a sobra de qualquer madrugada
cujo feitiço transbordasse para além do tempo
Aqui brilhava um astro
*
Uma só voz bastava para contar a história
das dores e alegrias de quantas histórias
se cruzassem em turbilhão de afectos
a vida em socalcos requebrados
de trabalhos e canseiras
num prodígio de natural deslumbramento
em cenário inviolável aos horizontes do querer
Aqui ria uma fonte
*
( ... )
( ... )
Uma só voz bastava que relembrasse a História
das pedras milenares
heranças e oferendas espalhadas
para depois se encontrarem no orgulho
porque é assim que se fala do passado
o sangue e a esperança no estandarte
desfraldado de tanta fidalguia
numa idade entre a vida e a morte
que não ousa repetir o que já foi escrito
Aqui era um cipreste
*
Uma só voz bastava a sugerir a dureza
na força expressiva das pedras
dos montes e dos caminhos
lugares onde a verdade é rude
e outra gente a nossa gente
abre portas de lés-a-lés
e à beirinha do nada silencioso
vai mastigando sem gosto e sem pressa
o sabor sem fruto duma vida
mascarada de todos os rigores
Aqui cresciam cardos
*
Uma só voz bastava para o fervor da prece
Uma só voz bastava que relembrasse a História
das pedras milenares
heranças e oferendas espalhadas
para depois se encontrarem no orgulho
porque é assim que se fala do passado
o sangue e a esperança no estandarte
desfraldado de tanta fidalguia
numa idade entre a vida e a morte
que não ousa repetir o que já foi escrito
Aqui era um cipreste
*
Uma só voz bastava a sugerir a dureza
na força expressiva das pedras
dos montes e dos caminhos
lugares onde a verdade é rude
e outra gente a nossa gente
abre portas de lés-a-lés
e à beirinha do nada silencioso
vai mastigando sem gosto e sem pressa
o sabor sem fruto duma vida
mascarada de todos os rigores
Aqui cresciam cardos
*
Uma só voz bastava para o fervor da prece
que avassala de fé o coração da terra
e se transforma em lágrima e emoção
sorriso puro de encantamento
lábio trémulo de respeito e gratidão
quando os socalcos requebrados de incertezas
se desdobram em cascata de farturas
jardim florido de inocências e alegrias
e a altivez se desnuda em humildade
nas palavras do salmo e no sentir da alma
Aqui ergueu-se um templo
*
*
4 comentários:
Querida Aurora,
Os socalcos que avistam o rio são agora a escadaria que nos transporta à cidade, numa panorâmica límpida e azulada, com o verde que tão bem carateriza Lamego.
Ou não será o escadório do santuário nada mais que um rio que sempre corre com a água benzida da Senhora dos Remédios?
Obrigada pelas palavras que nos fazem refletir.
Isilda Lourenço Afonso
Querida Isilda
Obrigada pela sua análise tão lúcida quanto poética,baseada em conceitos tão reais quanto oníricos.
Grande abraço
Aurora
... terra de gente onde a palavra gratidão ainda existe aliada à mais humilde das memórias. Curvo-me perante o poema que descreve um tempo e é simultaneamente um grito de saudade. Caminho comovido em cada verso, vou a pé pelas margens dos rios extintos ouvido-lhe os cânticos matinais, as demoras no contornar de cada pedra que tentava impedir a perda de água, ajoelho aos pés dos 930 degraus das escadas do Santuário erguido pela fé e tenacidade de um povo que julgava por ali chegar até Deus.
Somos o resultado da soma de muitos tempos, de todos os tempos. Somos parte do mais belo dos poemas da humanidade e juntos, eternizaremos a nossa história, as nossas histórias.
Sublime o trabalho de Aurora Simões de Matos, que nos convoca ao conhecimento literário. Ninguém pode faltar!
Manuel Araújo da Cunha
«Somos o resultado da soma de muitos tempos, de todos os tempos. Somos parte do mais belo dos poemas da humanidade e juntos, eternizaremos a nossa história, as nossas histórias.»
Porque também eu, comovidamente caminho em cada verso do Poeta Manuel Araújo da Cunha, acedo ao apelo que aqui nos é feito, convocando-nos ao conhecimento literário que traduz os sentires da Natureza e das Gentes que nela serpenteiam, qual Rio afadigado perante as exigências desta Vida que hoje nos põe à prova.
Vivemos tempos de incerteza, de dolorosa incerteza. Apenas a Fé nos é suporte e Esperança. Havemos de sobreviver para contar!
O meu abraço sinceramente amigo, na cumplicidade da palavra sentida. Havemos de sobreviver pelo abraço. O Rio o testemunhará!
Aurora Simões de Matos
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