Venho de experiências ricas e diversificadas nesta área, dum tempo em que nas minhas aulas os alunos liam histórias na disciplina de Português e as ilustravam em Desenho e Educação Visual. Dum tempo em que se valorizava nas aulas a Arte e a Literatura desde a infância e a juventude. Os autores que seleccionávamos defendiam que um texto escrito para crianças que não seja lido com prazer por adultos não é um bom texto, esse era um dos critérios das nossas escolhas. Trabalhávamos Ilse Losa, Maria Alberta Menéres, Luísa Dacosta, Sophia de Mello Breymer Anderson, José Jorge Letria, António Torrado, Alice Vieira, etc...Através de leituras e ilustrações fazíamos com que, exactamente como acontece em Alice no país das maravilhas, as crianças e os adolescentes vogassem entre o real e o surreal, o normal e o fantástico, a fábula e a sátira, o sonho e a realidade. Através desse cruzamento de palavras e de imagens tanto crianças como adultos recriávamos um imaginário fabricado pelas nossas mentes famintas de ilusão.
Muitos dos livros lidos às netas em pequeninas, estão hoje na estante do quarto delas, histórias escritas numa linguagem que é corpo do sonho, da fantasia, do fantástico, com temáticas diferentes, contendo um manancial de personagens e de situações focadas no mundo real e ou da imaginação, com o que espero ter contribuído para a sua formação. Exactamente o que pretendem autores como Bernardete Costa.

De Alice no País das Maravilhas podemos partir para os contos desta autora. Poderia pegar noutro, porém optei pelo Canto doce da Sereia já que, há alguns ingredientes aplicados na Alice e na Sereia (chamo-lhes assim para facilitar o que quero dizer) que são recorrentes na literatura infantil.
Vejamos, enquanto Alice na realidade estava a ouvir contar uma história ...quando de repente tudo acontece...,(aqui é usada uma expressão que serve para introduzir a passagem para o onírico), n' O Canto Doce da Sereia quando na realidade dormia no barco de repente Luís acordou com um cântico doce de mulher...Pensando sonhar, arregalou os olhos negros como carvões e esfregou-os.
A palavra REPENTE é também usada por Bernardete Costa .
Outra expressão, desta feita a frase utilizada por Ali-Bábá nas Mil e uma noites é usada por ela, abre-te Sésamo, as palavras usadas para abrir a porta que irá salvar a Sereia amada de Luís, pois logo a porta se destranca e desliza com vagar. Em Alice a ordem dada à chave dourada para abrir a pequena porta por onde a menina não cabe é dada pela chávena: bebe-me sendo essa a poção mágica que a faz diminuir o seu tamanho e por aí fora se sucedem os truques... come-me é depois a bolacha que come a fazê-la crescer demasiado para chegar à chave até que...calçou a luva que estava no chão, para ficar no tamanho certo.

Há sempre, como se constacta, uma SENHA MÁGICA que os autores manipulam com maestria para fazerem com que o sonho deslize por mundos inimagináveis e a narrativa aconteça.

Estas são histórias cheias de um surrealismo onírico concreto. Na Alice o gato Cheshire deu todas as informações para a menina entrar na floresta, na Sereia a senhora Maria lavadeira do rio conta a Luís a história de um feiticeiro que tem prisioneira uma bela sereia...O mesmo Alice demonstra, quando se verifica a mistura da realidade com a fantasia, em os tacos eram flamingos cor de rosa, sempre a voar e as bolas do jogo eram ouriços cacheiros e na Sereia verifica-se que, chegando ela à superfície das águas se transforma numa bela rapariga.
De mitos, segredos, ideias brilhantes, magias e encantamentos singulares se alimentam os contadores de histórias como as que cito. Podemos baralhar personagens e situações brincando a um faz de conta que nos fascina e devolve à felicidade da infância.

Sabem? Eu bem poderia ser Alice e o meu país bem podia ser o país das maravilhas, mas esse só existe dentro de cada um de nós. Todos somos Alice ou a Alice somos todos nós e os que estão ao nosso lado nesta muito humana noite em que nos encontramos fabulando sobre mitos, fadas, lendas, pessoas reais criativas e transformadoras.

«Se Alice não se chamasse Alice» questionas tu, Bernardete, mas eu, pessoa real brincando a Sereia mitológica, continuarei a sussurrar o teu nome... Ber nar de te...
De volta à realidade, será a minha voz que aqui ouviram a falar... ou terá sido tudo isto um sonho?

* Margarida Santos,
Lamego
Intervenção em 11.06.2016 na Tertúlia Literária «Alice no país das Maravilhas», coordenada por Aurora Simões de Matos

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Clara Oliveira e David Morais Cardoso em contracena, na leitura dramatizada do conto





O Poeta lamecense, João Avelino, ofereceu a Bernardete Costa um poema de sua autoria, com referência a várias obras da escritora:

* VOLTAR A SER *

ai se eu pudesse voltar a ser criança
a criança que sempre fui
só por um momento
voltar aos “LUGARES DO TEMPO”
cheios de memórias e de essências
pisar o chão da minha rua, ficar à janela a ver a lua
enganar a minha “GUARDADORA DE AUSÊNCIAS”

ai se eu pudesse voltar a ouvir
os teus “CÂNTICOS DE SEDUÇÃO”
ó infância de correrias e “TRANSPIRAÇÃO”
lambuzar-me com o pão de geleia
adormecer ouvindo minha avó rezar
no seu dolente e “DOCE CANTO DE SEREIA”

ai se eu pudesse voltar a ser
o menino da “CASA SOL E DO TELHADO POEMA”
que às escondidas da tarde serena
roubava “CEREJAS AOS MOLHOS
e desenhava em negras loisas
“A LUZ DOS ANIMAIS E DAS COISAS”

ai se eu pudesse voltar a ser miúdo e fugir,
embalado pelas histórias de fazer rir
sapudo dedito coçando o nariz
e ao colo de uns braços sempre abertos
fazia eu caretas de inocência feliz
à desconhecida “INSUBMISSÃO DOS AFECTOS

* João Avelino



Bernardete Costa e Aurora Simões de Matos, fundadora, dinamizadora e coordenadora da "TERTÚLIA ARTES E LETRAS NO HOTEL LAMEGO", desde 2012

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***  Aurora Simões de Matos

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