VISITA DA SOPEAM
SOCIEDADE PORTUGUESA DE ESCRITORES E ARTISTAS MÉDICOS
TERTÚLIA LITERÁRIA DO HOTEL LAMEGO
(Fundada e dinamizada por Aurora Simões de Matos)
Homenagem
aos Escritores e Artistas Médicos
A entrada da SOPEAM na Tertúlia...À frente, com a bandeira da Sociedade, o see Presidente e a Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lamego
Aurora Simões de Matos, coordenadora da Tertúlia, dá as boas-vindas à SOPEAM, na foto representada pelo seu Presidente e pela sua Vice-Presidente
António Lobo Antunes
INTERVENÇÃO DE LÍDIA VALADARES
O
Texto Que Não Consegui Escrever
Começo por dizer que é para mim um prazer participar
nesta homenagem aos Escritores e Artistas Médicos e por agradecer à
Sra. Professora Aurora Simões de Matos o convite que me dirigiu.
Homenagem merecida, pois muitos têm sido os escritores médicos que
têm contribuído para o enriquecimento da nossa literatura e para a
sua difusão além-fronteiras.
É, pois, com inefável apreço que trago até aqui o
nome de António Lobo Antunes, um gigante da literatura portuguesa
contemporânea e de inquestionável destaque a nível mundial.
Licenciado em medicina, especializado em psiquiatria, exerceu a sua
profissão de médico até 1985, altura em que decidiu dedicar-se
inteiramente à escrita.
Escritor controverso, não reunindo consenso no tocante
ao apreço do seu arrojado estilo de escrita, parece-me, contudo,
incontestável o seu genial contributo na reinvenção de uma nova
arte de narrar.
Em «Conversas com António Lobo Antunes», este
escritor confessa a María Luisa Blanco:
«O
que pretendo é transformar a arte do romance, a história é o menos
importante, é um veículo de que me sirvo, o importante é
transformar essa arte, e há mil maneiras de o fazer, mas cada um tem
de encontrar a sua. A intriga não me interessa, o que queria não é
tanto que me lessem mas que vivessem o livro» (Apud Blanco, 2002:
125).
Como é evidente, as inusitadas técnicas da escrita
antuniana, que subvertem os canônes tradicionais da narrativa, fazem
vacilar o leitor que está habituado à comodidade (como aduz Roland
Barthes) de «uma prática confortável de leitura» (Barthes, 2009:
138) facultada pelo «texto de prazer» (Ibid.:
138). Todavia, esse princípio da subversão converte-se num
princípio gerador de fascínio nos leitores que apreciam um texto de
fruição empenhada, aquele que, segundo Roland Barthes, «desconforta
[…], faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do
leitor, a consistência dos seus gostos, dos seus valores e das suas
recordações, faz entrar em crise a sua relação com a linguagem»
(Ibid.: 138), no
fundo, aquele texto que desafia. E é esta fruição «in-dizível,
inter-dita» (Ibid.:
144) que nos faculta o texto antuniano, onde o não-dito, o silêncio
e a indisciplina formal do discurso captam o leitor para dentro do
texto, obrigando-o a mergulhar profundamente até «ao fundo avesso
da alma» (Antunes, 2007: 113), para poder vir a ter «uma voz entre
as vozes do romance» (Ibid.:
114).
Contudo, para que o leitor possa vir a ter uma voz entre
as vozes do romance, afigura-se-me de particular relevância a
leitura das suas crónicas, tendo em conta a importância de que se
revestem para a compreensão da escrita antuniana.
E,
neste momento, assalta-me o pensamento “A crónica que não
consegui escrever” (Antunes, 2007: 107 – 111) de Lobo Antunes,
pela similitude da situação em que me encontro. Tal como o autor,
que a inicia com o desabafo “Estou há meia hora aqui sentado à
espera que me venham as palavras para esta crónica e nada. De que
vou falar?”, também eu, ao iniciar este texto pensava: “De que
vou falar?” É que falar de António Lobo Antunes em tão curto
espaço de tempo é quase uma tarefa impossível, uma utopia. E,
chegada ao fim, reconheço que não, não consegui falar de Lobo
Antunes. Portanto, finalizo este texto parafraseando a referida
crónica, assumindo que este foi “O texto que não consegui
escrever”.
Resta-me esperar que as notas soltas que aqui deixo
possam, de algum modo, contribuir para seguirmos os conselhos de
António Lobo Antunes, não lendo os seus livros, mas intentando
vivê-los, vendo as nossas sombras nos espelhos das suas páginas e
sendo uma voz entre as vozes dos seus romances
.
Lídia Valadares
Hotel Lamego, 13 de Abril de 2013
Lídia Valadares
(Estudiosa de Lobo Antunes)