quarta-feira, 29 de agosto de 2012

TERNURA

TERNURA

A minha neta Rita Miguel
(hoje com dez anos)






     Eu queria ser
     a almofada em que te deitas
     e adormeces teu sono já cansado...
     Eu queria ser
     a pálpebra cerrada
     que te protege do escuro inanimado...

     Eu queria ser
     o silêncio do teu sonho
     na noite que segreda o respirar...
     E de manhã,
     o espelho em que te miras
     e se diverte teu rostinho a bocejar...


                            Aurora Simões de Matos


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O meu amor por ti

O MEU AMOR POR TI







Deixa-me ouvir-te ainda ao crepúsculo do dia,
enquanto for capaz de sentir-te até ser longe,
no esvair-se do tempo até ser nada.

Deixa-me dizer-te ainda ao crepúsculo de cada frase repetida,
como se demora o sorriso em minhas rugas
quando a garganta se me abre para pronunciar-te.

O meu amor por ti irá além do tempo,
mesmo que da minha sombra reste apenas
o contorno da luz extinta de cansaço.

Para lá do fogo e da poeira, minha Filha,
serás herança presa à última raiz
que do meu corpo desça até ser noite.


Aurora Simões de Matos










sábado, 25 de agosto de 2012

ERICEIRA

FÉRIAS DE VERÃO
II PARTE

Valeu a pena. Vale sempre a pena regressar à Ericeira. Assim tenho feito nos meus Verões dos últimos quinze anos. Como se estes dias fizessem já parte de uma rotina anual que não me apetece, por nada, alterar. É certo que aqui faço uma espécie de sede dos meus passeios turísticos pelo litoral, com algumas incursões por um interior mais a sul e mesmo ao país vizinho. Mas o essencial das férias está aqui. Por muitas razões, muito em especial pelas companhias de que aqui e a partir daqui desfruto: a Minda e o Carlos, a Maria João, o Mário e o Miguel, o Duarte, a Leonor e a Inês. Gente do meu sangue de quem gosto muito. Razões de sobra para que estes dias me saibam sempre a pouco.

Em toda a história da Ericeira, o mar está sempre presente:
  • Na paisagem que maior força dá a uma envolvência que lhe empresta o ar de uma das vilas litorais mais pitorescas.



  • No passado desta terra de pescadores que, virada para as águas, no seu seio procura e encontra o sustento. Mas também de destemidos marinheiros, dos mais corajosos que, na árdua tarefa dos descobrimentos marítimos, souberam impor uma bravura que os tornou ímpares. E nas carreiras comerciais de há vários séculos atrás, quer para o Oriente, quer para o Brasil, onde o ericeirense dava cartas no saber e na experiência da arte de marear.
  • No desenvolvimento árduo do quotidiano de uma população que, a pulso, tem sabido conquistar o seu lugar, à custa de uma economia alicerçada à volta do seu porto. Primeiro, porto comercial, depois porto de pesca até aos nossos dias.




  • Nos areais das suas praias acolhedoras tão procuradas, ano após ano, por banhistas fidelizados que aqui encontram o bem-estar que procuram, respondendo a apelos afectivos que proporcionam ao visitante anónimo repetidos encontros com muitas figuras mediáticas do nosso panorama político e televisivo.



  • Nas tradições religiosas que os seus perigos despertam e aprofundam, em sentimentos de súplica ou de gratidão, que têm o seu ponto mais alto nas Festas em Honra de Nossa Senhora da Boa Viagem, padroeira dos pescadores. Espectacular manifestação de fé, em noite de procissão no mar. Procissão das Velas, aberta por barco especial em que segue a Virgem do Mar, acompanhada pelas autoridades eclesiásticas e seguida de barcos engalanados, carregados de penitentes cumprindo promessas, que emprestam ao cortejo a magia que sempre me comove até às lágrimas.




  • Num dos momentos históricos que toda a gente aqui conhece e relembra. O dia em que o rei D. Manuel II, a rainha-mãe D. Amélia e sua sogra D. Maria Pia, acabada de ser implantada a República, daqui zarparam rumo a Gibraltar e depois para o exílio em Inglaterra. Todas as operações seguidas pelo povo que se apinhava no paredão junto à praia, impressionado pela situação e principalmente pela imponência da rainha. Sempre em respeitoso silêncio. Sempre em respeitosa discreção. Sempre em respeitosa lealdade.
  • No regresso de D. Amélia, já com 80 anos, quando Salazar a autorizou a voltar a Portugal. «Fez questão de vir à Ericeira e foi olhar o mar do alto do paredão.» Apesar da situação política ter mudado e de reis e rainhas fazerem já parte do passado, foi recebida com o mesmo respeito do dia do seu embarque, muitos anos antes, tendo chegado a juntar-se povo para o beija-mão tradicional. Ainda hoje dura a estima dos pescadores pela rainha.





  • Na vinda de muitos refugiados de guerra que aqui se alojaram, livrando-se da crueldade do gigante opressor, durante a II Guerra Mundial.



  

  • Na prática de desportos marítimos, tais como o parapente, a pesca desportiva ou o surf, desporto radical tão em voga nos tempos actuais e que, pelas características das suas ondas e dos seus ventos, aqui traz competições internacionais, que fazem da Ericeira uma referência mundial nesse campo.




Situa-se a Ericeira a 50 quilómetros de Lisboa, 25 quilómetros de Sintra e 10 quilómetros de Mafra. O seu porto de pesca, a 23 milhas marítimas a norte de Cascais e 24 milhas a sul de Peniche.
Como atrás foi referido, o mar é o cúmplice predilecto da vila maravilhosa e, apesar dos ventos que a caracterizam, as areias brancas das suas praias, abundantemente iodadas, fazem jus à qualidade e à quantidade de turistas que a procuram.
É certo que o Casino da Ericeira, tão famoso por ser, nos princípios do século passado, lugar de encontro entre as elites urbanas desta vasta região e mesmo de Espanha, fechou há muito, em 1927. O Casino do Estoril, acabado de inaugurar, ditou-lhe o agonizar das grandes festas e das grandes noites. Do rodopio de coches, charretes e automóveis pioneiros de viagens a partir da capital e arredores. Símbolos de uma sociedade em que a aristocracia convivia naturalmente com a decadência.
Hoje, as noites aqui podem ser passadas no cinema, nas festas em vários palcos ao ar livre, ou em agradáveis passeios pelas ruas e ruelas que vão todos dar ao “Jogo da Bola”, a sala de visitas mais concorrida da terra.
Por mim, gosto de apreciar a naturalidade com que a gente que aqui vive todo o ano passa o serão à porta de casa, à conversa com os vizinhos. Intimismos que me são particularmente caros.
Por tudo o que contei, um brinde à VIDA. E o desejo de poder voltar. Para o ano... à casa de praia de minha irmã Carminda.

GALERIA DE FOTOS

VERÃO DE 2012






Férias em boa companhia











A religiosidade na Ericeira
Festa de Nossa Senhora da Boa Viagem
Passadeira em areia e sal colorido, por onde passará a Procissão





No Complexo Turístico de São Sebastião, passo parte das minhas férias de Verão, há 15 anos





Visões de luxo, a partir da janela do meu quarto



Obrigada, minha irmã Minda e meu cunhado Carlitos!!!
Até para o ano!


Aurora Simões de Matos






quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Não me surpreende

Não me surpreende





Não me surpreende a paragem do viajante, de binóculos, esmagado ao gigantismo de uma paisagem dominadora.

Não me surpreende o fervilhar da gente que, nestes dias de férias estivais, coalha os caminhos, as romarias, as feiras, o mercado da vila, os pequenos e os grandes restaurantes à beira das estradas, as partes do rio mais convidativas a uma boa tarde de sol,de sombra e de lazer.

Não me surpreende o aparecimento de certas arquitecturas a mancharem horizontes desavindos com a inexorabilidade do progresso que tantas vezes irrompe desajustado de seus fins.

Não me surpreende o reavivar das tradições mais poéticas, na realidade quase mística que alicerça a identidade de um povo.

Não me surpreende a dimensão do amor subjacente aos gestos, atitudes e conceitos unificadores do sentimento colectivo que transforma a vivência social no pulsar de uma cultura que, atravessando todos os sobressaltos, segue o curso que parece dar sentido ao tempo histórico, em permanente interacção com a fé, a razão e o sonho.

Desde há décadas que o destino de muitos dos pastores e agricultores das extensas encostas da minha terra deixou de acompanhar o movimento das estrelas e as fases da lua e de esperar pela chegada cíclica das estações do ano. A estrutura básica de uma economia matricial de subsistência deixou há muito tempo de satisfazer as suas necessidades e as suas mais que legítimas ambições.

Não me surpreende, pois, a partida dos que, desde há cerca de cem anos até aos nossos dias, num crescendo quase fatal, buscam noutras paragens o amenizar de uma vida quase sempre confrontada com a inevitabilidade de outras dores e de outros suores.

O que me surpreende é o orgulho e a tenacidade dos resistentes, o estoicismo dos que ficaram que, colmatando fracturas bem a descoberto em dolorosos abandonos e em aparatos mais ou menos desarticulados, continuam a perseguir valores ancestrais e conceitos de património, assumidos ao rigor máximo da herança que receberam e que querem, a todo o custo, transmitir incólume. Num testemunho de coerência verdadeiramente heróica, a força desta gente é o alicerce singular de uma cultura fiel às suas origens.




Apesar da debandada de seus filhos,grande parte dos campos ribeirinhos de Meã e Parada continuam viçosos, férteis, bem regados e estrumados, ostentando, com raras excepções, os mesmos milheirais de desde que me conheço. Campos e lameiros, retalhos de uma manta em vários tons de verde, continuam a policultura dos mimos, ervas e cereais que hão-de abastecer as famílias residentes e seus animais, ser fonte de paladares únicos para os filhos saudosos em visita ao lar materno, ser deleite aos olhos de quem procura, ao passar, as marcas de uma identidade. Na riqueza de princípios ancestrais como o trabalho, o amor à terra, a auto - suficiência. Na solidez da força desta gente rija como o granito e na fé desta gente moldada à maciez do xisto. Na transparência desta gente em jogo de espelhos com o rio e no fluir da vida ao correr do ar puro e agreste que a serra abandona ao respirar. Na iconografia de espaços acomodados à rusticidade e à coerência. Enfim, na sentida e assumida bênção de se ter nascido em terras de beira-rio.

Aurora Simões de Matos





terça-feira, 14 de agosto de 2012

Reportagem de Afectos

Reportagem de Afectos

Rádio Lafões entrevista Aurora Simões de Matos em Meã






Condução do programa - Fernando Luís
Fotos e montagem do vídeo - Alcides Riquito


Poemas de Aurora, musicados por Gervásio Pina

"Serrana" - na voz de Gabriela Pina
"Canção da água" - na voz de Gervásio Pina





segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Férias de Verão

Férias de Verão
1ª Parte





                                                                                                               

Acabada a primeira parte destas férias anuais de Verão, vivo agora um curto intervalo, para depois me lançar na segunda parte, entre o campo e as serras, o mar e uns curtos passeios (cá dentro), que hão-de libertar forças regeneradoras de outras forças.


Desta primeira parte, guardo sempre as melhores recordações.


Há vários anos já que, respondendo a necessidades físicas e afectivas, procuro, no mês de Julho, as Termas de S. Pedro do Sul. Para beneficiar das suas águas que dispensam apresentações, para me encontrar com amigos que desfruto apenas nesta época, para regressar, ainda que só por duas semanas, a espaços-matriz de uma infância tranquila, a lugares-memória que me marcaram a vida, em tempos de crescimento.


De facto, nas Termas de S. Pedro do Sul, vivi entre os oito e os quinze anos, idade marcante nas aprendizagens de qualquer vida, por mais normal e rotineira, calma e sem sobressaltos... ou mergulhada em solavancos que muitas vezes nos acontecem.


Aí cresci, entre gente boa que me ajudou a cimentar a personalidade e me transmitiu valores que ainda hoje defendo. Entre os mais humildes, que viviam do trabalho sazonal no Verão, alugando quartos nas suas casas particulares ou fazendo pela vida com trabalhos temporários, nos grandes hotéis sempre cheios. Mas também entre os mais abastados, donos de unidades hoteleiras de prestígio, famílias tradicionais de requintada educação, no esmero de uma sociedade sempre na mó de cima. Uns e outros vivendo, já nesse tempo, como agora, do turismo termal, que tinha no Verão o seu ponto mais alto.

Aí frequentei a escola primária, hoje em ruínas, ao lado da vetusta Igreja de Nossa Senhora da Saúde. No meu recreio, mais tarde esventrado, sobre os achados arqueológicos hoje à vista de quem passa, num abandono pungente, brinquei todos os jogos, danças e cantigas que ali eram costumes saudáveis, em meados do século passado. Parte de uma infância e de uma adolescência alicerçadas na segurança, no aconchego, em visões e vivências que me abriram portas à imaginação e ao deslumbramento.




Umas das experiências que me ficou gravada pela memória de um tempo tão particular, foram as corridas despreocupadas pelos longos corredores do Hotel Palácio, quando ali brincava com as filhas do casal que, ao tempo, se ocupava da guarda e vigilância do mesmo. Nesse tempo, o Hotel só funcionava no Verão.


Envolto em várias polémicas, desde a sua construção megalómana, na segunda década do século XX, nunca o grandioso edifício serviu os objectivos para que fora projectado. Não chegaram os Irmãos Diniz, da firma com o mesmo nome, a conseguir o monopólio da exploração das águas termais. E se os luxuosos espaços do empreendimento chegaram a ser usados como lugar de encontro e de grandes e exuberantes festas das elites portuguesas e mesmo estrangeiras, a situação não poderia durar muito tempo, já que a manutenção do imóvel não se compadecia com quebras na produção de receitas.


O Estado Novo, apercebendo-se do subaproveitamento do Hotel Palácio, fez dele um grande Centro da FNAT e o Pós-25 de Abril, depois de grandes obras de restauro e modernização, transformou-o no espaço acolhedor consentâneo com as necessidades e exigências da vida actual, onde instalou uma das unidades mais requintadas da INATEL.











Os seus 77 quartos, apetrechados com todas as comodidades, o magnífico restaurante, o bar, as várias salas de estar (cada uma mais bonita que a outra), a biblioteca, a sala dos computadores, a sala de jogos e a de conferências, o espaço das crianças, os bem tratados jardins e a quinta, espaço envolvente de onde destaco a esplanada sempre cheia nos serões animados com música ao vivo, tudo são agradáveis surpresas e locais de regozijo e bem-estar. Para quem (associados e não associados) procura esta prestigiada unidade hoteleira. Para uma cura termal, ou apenas para descanso e convívio. Como lugar de passagem, onde apetece ficar por mais tempo. Sempre, como espaço de referência.


Mas se as instalações são óptimas, nota máxima também para a disponibilidade, a simpatia e a eficiência de todo o pessoal que nele trabalha.




Por tudo o que, desde a infância, o Hotel Palace das Termas de S. Pedro do Sul significa para mim, mas também pelos muitos amigos que ali fui fazendo ao longo dos anos e com quem tenho partilhado grandes momentos de descontracção; pelas famosas águas sulfurosas medicinais que, segundo a História, já D. Afonso Henriques procurava para alívio dos seus males, mas também pela beleza da paisagem envolvente que bem merece o nome de “Sintra da Beira”, agradeço à Vida poder continuar a passar ali uma parte das minhas férias de Verão. A primeira. Da segunda, contarei mais tarde. Se valer a pena, como esta valeu.



 Aurora Simões de Matos

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Os meus brinquedos


        Onde está minha boneca
        que deixei há tanto tempo
        abandonada a um canto
        da minha longínqua infância?
        Era toda em papelão,
        de olhos castanhos, bem fundos,
        sempre de perna esticada
        e de barriguinha ao léu.
        Com ela, corri os mundos
        duma criança mimada,
        do meu quarto fiz o céu,
        passei horas sossegada.

       Só que agora não sei dela
       e queria tanto vê-la...




                                                                            









                                                                             Onde está meu regador
                                                                                    e meu ferrinho de engomar
                                                                               que deixei abandonados
                          a um canto, na distância?
                  Eram todos em latão
                        de cor-de-rosa pintados,
                              bem da cor da minha idade.
                            Foram comprados na feira
                         e no meu quarto usados,
                            ao tom da minha vontade.
                              Com eles, fiz da brincadeira
                       o meu hino à liberdade.

                          Só que agora não sei mais
                          onde estão brinquedos tais
                             e vem-me a imensa vontade
                        de comprar outros iguais
                   e matar esta Saudade.

Aurora Simões de Matos  



SOL-PÔR


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     Sol-pôr

      O horizonte vestiu vestes de fogo
      e o sol incandesceu e tudo é luz
      na linha que limita o fim do mar.

     O milagre paira ainda um instante
     diante do olhar na deslumbrante
     hora de se esconder e só então
     o sol se esconde
     e num repente
     se afunda à nossa frente
     em majestosa exibição.

     Já se não vê 
     a bola que de fogo se vestiu
     e inundou de rubro o horizonte.

     Do céu desceu
     e se escondeu
     do nosso olhar por hoje mesmo defronte
     para voltar amanhã à mesma hora
     do lado oposto
     de onde acontece a aurora. 

Aurora Simões de Matos