sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Faleceu o Professor Arlindo da Fonte Simões de Matos


( Texto de António Martins para o " Jornal Douro hoje")





Quando a dimensão da dor se torna esperança



«Não será a morte - até, talvez, fisiologicamente vista - uma espécie de nascimento - o nascimento, talvez, do que era incompleto numa forma completa ou pura?»
Fernando Pessoa



No dia 8 de agosto de 2016 o Sol esforçou-se desesperadamente por brilhar no poente. O Sol é quente em agosto. Dizem que cura. No entanto, o próprio céu revelou-se indefeso neste dia. A força da eternidade apoderou-se do céu e da terra e alterou a ordem da vida do meu amigo Arlindo Matos, professor, e mui nobre delegado escolar de Lamego. Há mortes que são vidas que se apagam como uma vela quando chega ao fim. Outras acontecem ao fim de longa doença. Outras, ainda, são a libertação de sofrimentos indiscritíveis. Seja como for, a morte exprime sempre a incapacidade de continuarmos a comunicação sensorial recíproca. Essa é a fonte da nossa dor. Choramos esta impossibilidade do convívio afetuoso que nos unia a Arlindo Matos. E tanto que me ligava a ele: o conselho sempre sábio, o aperto de mão sempre sólido, a crítica sempre construtiva, a voz áspera e maviosa com que brindava da sua mesa na esplanada do Dalila.
Nesta semana de dor para mim, para os familiares que são igualmente meus amigos (a Professora Aurora Simões de Matos, a Doutora Lúcia Marinho e as Doutoras Ana e Clara Matos) e para os amigos é, paralelamente, uma porta para a esperança, uma vez que paramos e descobrimos um novo modo de relação com as pessoas que amamos e se afastaram do nosso horizonte visível.
Temos testemunhos que, desde há muitos milhares de anos, os seres da nossa espécie se despediam dos falecidos, familiares ou amigos com rituais, segundo as diferentes culturas e religiões. Confessavam, sabendo ou não de forma reflexa, que o funeral não era o fim de tudo, a última palavra sobre as pessoas que amavam. Se assim não fosse, todas aquelas flores e rituais poderiam celebrar uma memória, mas seriam dirigidos a ninguém.
Quando morre uma personalidade célebre, faz-se o elogio da sua obra, mas o sujeito parece que já não conta, pois só há futuro para o património que deixou. Quem poderá aceitar que a obra fique e as pessoas sejam reduzidas a cinzas? A nada?
E estou a falar de uma grande pessoa, de um grande vulto lamecense, uma personalidade invejável no campo da pedagogia, da crónica escrita e da administração e gestão de recursos humanos. E posso afirmar que o Senhor Delegado Arlindo Matos amava a educação como ninguém. A educação no seu estado puro, com os seus protagonistas: os professores e os alunos. Tantas vezes me disse que não se identificava com esta educação burocrática e sem sentido. Arlindo via em cada professor uma biblioteca, em cada criança um livro aberto; em cada docente um amigo, em cada aluno uma causa.
O Professor Arlindo Matos amava Lamego, mas a Lamego das pessoas: criticava mas de forma a transformar as suas gentes, a lapidar as suas qualidades, a mitigar os seus defeitos. E era, para mim, o arauto da verdade, a voz implacável mas arguta nas suas crónicas e pensamentos. Era um ser com uma visão apurada do mundo, uma universalidade humanista e singular, sem nunca negar as suas origens, com um aturado sentido telúrico.
Mas o valor mais relevante do Professor Arlindo Matos era saber interpretar a sua existência. Um amante da vida, um guerreiro de força hercúlea. De facto a sua obra mais digna de nota era ser ele próprio. Por isso, mesmo nos seus defeitos procurava cuidar da sua qualidade espiritual da sua vida muito mais do que um artista procura a perfeição das suas criações. Tantas vezes me disse, de forma subtil que ser humano era ser verdadeiramente bom. Ser bom valia mais do que todas as realizações científicas, técnicas, filosóficas e artísticas. A sua alma, agora, configurada pelo amor e pela compaixão dos seus entes queridos, vale mais do que todo o mundo material. Na minha ótica, perante a morte, não importa procurar saber quem está certo ou errado. Estamos todos sem defesa. O próprio Jesus, no Jardim das Oliveiras e na Cruz, viu-se mergulhado no medo e na angústia.
Sem dúvida que a vida humana é uma evolução contínua. Se a morte fosse a última palavra, a pessoa humana estaria a evoluir para o nada. Contudo, não temos que nos preocupar como será a vida do Além, a vida depois da vida que conhecemos. Não temos nem a geografia nem o calendário nem a configuração daquilo que se evoca com a palavra céu. Todas as evocações ou descrições são, apenas, tentativas de preencher a nossa ignorância. É certo que há música e pintura que procuram evocar o estado daqueles que já se encontram na alegria de Deus, mas mesmo as minhas evocações mais poéticas serão sempre a miséria que se pode arranjar para não ficarmos mudos e cegos. Se me é permitido dizer alguma coisa, talvez seja melhor dizer que um dia encontrarei o Professor Arlindo Matos, gozando da sua eterna força e descobrindo a sua infinita vontade de construir um universo melhor e mais justo.
Por isso, eu digo, “meu Delegado”, espere por mim para um futuro encontro, envolto nesta dimensão de dor e esperança chamada morte, ou melhor, denominada eternidade.

António Martins, professor

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