sábado, 21 de julho de 2012

PALAVRAS - A FORÇA DAS PALAVRAS


A FORÇA DAS PALAVRAS

"Se soubéssemos quantas e quantas vezes as nossas palavras são mal interpretadas,
haveria muito mais silêncio neste mundo."
               Oscar Wilde 

Fréderic Duhamel "Busca da palavra




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     Há vozes que subsistem ao tempo e aos lugares, como se a  força das palavras fosse capaz de levantar os anos, como se a essência das palavras marcasse o destino das coisas.
     Por detrás das palavras há sempre a voz que lhes dá corpo e movimento e sentido. Na voz de uma palavra se lê o sofrimento ou a alegria, se escurece o dia ou ilumina a noite.
     Há momentos doridos em que uma palavra nos basta para sarar a ferida que ficou, como pano rasgado de que sangramos. Há momentos de descontrolada euforia em que uma palavra nos basta para cortar o caudal de certos desvarios. Numa palavra de desencanto e desespero acordamos de morrer no esquecimento sombrio de um rosto de lágrimas caladas. Numa palavra de coragem somos transportados ao limite das metas mais distantes.
    
     De uma palavra calada, o mundo fica suspenso; de uma palavra de ordem, o mundo fica suspenso. Tudo depende da cor da palavra. Se ela é branca ou cinzenta, assim a surpresa do mundo.

     De uma palavra pode nascer o amor, que é o único sobressalto que vale a pena; de duas palavras pode ele crescer ou morrer. De uma palavra pode nascer o ódio, que é o único sobressalto de que não deveríamos conhecer o rosto; de duas palavras pode ele transformar-se no fim de tudo, incluindo a vida.

     Há quem diga mais com uma palavra muda do que com um vozeirão de mil palavras em atropelo. O que pesa são so sentimentos e a forma dos sentimentos. Palavras sem sentimentos são palavras sem peso. São leves como penas e delas dizemos: «palavras leva-as o vento...». É o que acontece às palavras que, por força de muito se repetirem, se transformam no seu próprio eco e perdem credibilidade.

     Há palavras que se abandonam ao dizer, apenas pelo dizer. Sem critérios. É a banal situação da "conversa fiada". Há também palavras que se abandonam ao dizer, pelo prazer, pela convicção e pelo dever do dizer. São estas que arrastam multidões, comovem plateias, definem ideais, traçam o destino dos outros.
     E há quem tudo invista na busca da palavra certa que melhor esconda o que quer mostrar. Não se sabe muito bem o que verdadeiramente sentem estas palavras, já que falam com todos os sentidos ao mesmo tempo. Sabe-se que são capazes de se esconder na limpidez da água mais pura ou no azul do céu mais limpo. São as palavras dos poetas, quase sempre entendíveis apenas pelos outros poetas, o que faz delas o elo de ligação de um grupo de vozes com um estatuto muito próprio. Geralmente vozes sofridas que não se sabe por que sofrem, enfim, vozes um pouco à parte, que vivem de e para o culto da palavra, em jogo subtil com as emoções.

     Já me tem acontecido perder o fio à conversa. Nesse caso, tento refazer a urdidura das malhas desfeitas na palavra que se partiu.
     Passajar ponto por ponto, cerzir pacientemente até entretecer uma nova teia, que é como quem diz, um novo discurso, num discurso novo, é exercício de maturidade, às vezes doloroso. Este exercício requer particular cuidado com o uso das palavras. Se as agudas podem ferir susceptibilidades, pela sua marcada disposição para protagonismos de última hora, as esdrúxulas podem gerar distanciamento, pela frieza do seu pragmatismo. Estes dois tons de palavra devem, com conta, peso e medida, fornecer apenas o suporte ao fruir das palavras graves que, além de estarem em inevitável maioria no discurso, são sem dúvida as mais sóbrias, logicamente as privilegiadas no refazer da conversa que se partiu.

     Quando a mão desenha a palavra, ela fica escrita na folha que o momento lhe destinou e ganha a força com que esse momento a possa decifrar e a força com que esse momento a possa projectar. Digamos que o que acontece é que a palavra assim exposta adquire uma vulnerabilidade muito própria. E se bem que a forma tenha uma força diferente do som, pela forma e pelo som das palavras passam todas as forças e todas as fraquezas do mundo. 






Aurora Simões de Matos

no livro "UMA PALAVRA"
Edições Sagesse - Palimage - 2001











     



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