quinta-feira, 6 de setembro de 2012

MEÃ DE SOL-A-SOL

MEÃ DE SOL-A-SOL




Quem, dirigindo-se de Castro Daire para oeste, segue pela estrada que, a par da linha da Paiva, ruma a Alvarenga, encontra, a cerca de vinte quilómetros da vila e exuberantemente estendida à beira - rio, a aldeia de Parada de Ester, sede de Freguesia, e logo a seguir Meã, que administrativamente lhe pertence e que, pouco a pouco, sai da discreta rusticidade morena que tanto a caracterizava.
Embora cada vez mais rendida ao fascínio e à comodidade de novos modelos de habitação que lhe têm vindo a modificar a fisionomia, Meã possui ainda um aglomerado significativo de casas bem tradicionais, com paredes de xisto e a típica cobertura de lousa.
Dividida em dois Povos, o de Baixo e o de Cima, a aldeia espalha-se pelo sopé da encosta xistosa, bordada por verdes lameiros de pasto permanente, férteis milheirais e pequenos quintais que, exibindo um leque de culturas muito diversificadas, emprestam à estrutura da propriedade parcelada em pequenas explorações agrícolas, uma imagem de esforçada vitalidade.
Vulnerável, desde há décadas, à emigração que arrastou esta gente primeiro para o Brasil, mais tarde para a Alemanha, França e Suíça, actualmente muito para os grandes centros urbanos de Lisboa, Porto e Viseu, Meã tem, ainda assim, resistido com grande estoicismo a este fenómeno e nem por isso a grande área de cultivo deixou de ser trabalhada.
O alargamento da escolaridade, que leva às estruturas para a educação na sede do concelho e escolas superiores a que conseguem ter acesso, os adolescentes e os jovens cujas famílias escaparam à emigração é, a par do vai-vem de alguns que à vila se deslocam diariamente para a sua actividade profissional, outra forte componente nas dificuldades que a escassez de mão-de-obra acarreta aos agricultores.
É natural que as gerações mais jovens nem sequer cheguem a familiarizar-se com os nomes dos utensílios da lavoura.
A enxada, a sachola e o sacho, a gadanha, o forcado e a forquilha, o ancinho, a seitoira, o pedão e a pedoa, o mangual, a grade, o arado ou a charrua são termos que mal pertencem ao seu vocabulário. Todavia, são os instrumentos de trabalho de seus avós e seus pais, na vida dura duma labuta diária de sol- a -sol. É certo que já há alguns anos o tractor tomou o lugar do arado e mesmo do carro de bois que, com altas sebes de vime e sua característica chiadeira pelos sulcos dos velhos e difíceis caminhos, era um dos mais fortes ex - líbris da vida rural da minha terra. No entanto, a dificuldade na mecanização da agricultura nas pequenas parcelas de terreno em socalco, torna pouco eficazes os progressos técnicos e obriga a que continuem a usar-se alguns dos métodos de há séculos.
O agricultor trabalha por conta própria, sendo de realçar a entreajuda como testemunho da tradição comunitária e, embora em pequena escala, o recurso ao serviço do assalariado rural.
Situados em excelentes condições naturais de clima, temperatura amena protegida, humidade abundante, favorável à agricultura e às pastagens, os campos de Meã produzem essencialmente, a par do milho que, proveniente das Américas no século XVI, é sem dúvida o rei das culturas desta região, o feijão e a batata, hortaliças e legumes, a oliveira e a videira em ramadas (vinhas) ou bardos (tanchoadas) a demarcarem parcelas de variados tamanhos e declives.
A poda, a sulfatagem, a vindima, a estruma, a vessada, a rega, a colheita dos cereais, a malha, a debulha do feijão, a vareja e a apanha da azeitona são apenas alguns dos trabalhos que o lavrador enfrenta para, embora sem a pressão de uma economia de subsistência alicerçada apenas no amanho das terras e há muito ultrapassada, conseguir não deixar “ ir a monte” aquilo que herdou como princípio e fim de esforços seculares.
Anexos à casa de habitação e como suporte ao armazenamento e guarda das alfaias e das colheitas, são ainda construções de apoio ao lavrador os palheiros e os canastros. Cada um com seu fim, inventado para um destino que tem cumprido sem grandes alterações. Quase sempre ao lado do canastro, como que complementando-o, a eira, espaço onde rituais da desfolhada do milho e debulha do trigo e do centeio, a poder de braços e mangual, está longe da azáfama festiva de outrora.
A azenha, o alambique e o moinho, engenhos comunitários colocados à disposição da aldeia pelos herdeiros, a troco das respectivas maquias, fazem também parte desta impressiva paisagem domesticada pelo homem que, por muito que dela se afaste, sempre a ela regressa, fazendo jus ao sentimento - símbolo de uma identidade muito peculiar das gentes da beira – Paiva.

                                                                     Aurora Simões de Matos


Nota - Texto escrito com vários regionalismos





Fotos de Carlos Miguel Batalha


1 comentário:

Laura Motta disse...

Minha Bisavó e avó foi nascida e criada em meã e eu tenho grande interesse em saber mais a respeito desta aldeia, infelizmente as duas já faleceram e os registros sobre ela na internet são muito poucos, mas uma feliz coincidência algo me levou a este blog, por favor mais informações de qualquer tipo que seja sobre esta terra por obséquio me informar, serei muito grata ! e-mail: lauralmotta@hotmail.com ou lauralopesmotta@gmail.com , se possível enviar para os dois.
obrigada por sua atenção!