terça-feira, 1 de agosto de 2017

A PONTE DE NODAR, RELÍQUIA DAS MINHAS RAÍZES

EM  VISITA  A  LUGARES    
                     QUE  ME  SÃO  SANGUE




 A história de meu bisavô António Joaquim conta-se em três tempos e três acenos de cabeça. Três gestos de boa vontade.

Corria o tempo da sua juventude e o tempo da Primeira Grande Guerra, que o haveriam de levar ao tempo de desertar, como tantos outros, das fileiras do exército.
Nas suas deambulações pelo Montemuro e pela Arada, acossado pela fome e pelo frio, pelo medo e pela incerteza, faminto de tudo e aterrorizado pelo espectro da morte ou da prisão, aconchegou-se à hospitalidade, à compreensão e à discrição da boa gente de Nodar.


Nessa aldeia pequenina, aninhada junto ao rio Paiva, encontrou condições para viver em paz e constituir família. Maria Duarte, uma das filhas e minha avó materna, assistiu ao meu nascimento.
Não tenho lembrança dela, uma vez que, sendo eu muito criança, faleceu em Meã, meu chão natal, com cerca de quarenta anos. Deixando sete filhos e meu avô Casimiro mergulhado no mais profundo desgosto.

Olhando hoje a Paiva e sentindo as suas vibrações numa ondulação que me é tão familiar, dou comigo a agradecer-lhe boa parte do sustento da família deste meu avô Casimiro, que era pescador. E sou levada em pensamentos até Nodar, do outro lado do rio. Até meu bisavô António Joaquim, também ele porventura pescador. 

Nada me dirá dele a memória, que só o conheço de ouvir falar. Protagonista de uma história contada em três tempos e três acenos de cabeça. Três gestos de boa vontade.
Nada me dirá dele a lembrança. Nem dele nem de minha bisavó, que a vida correu em espaços sem encontros e em tempos sem memória nem retorno.

No entanto, apesar de tamanha ausência, Nodar lá continua, aninhada junto à Paiva. Ciosa da hospitalidade, da discrição e da generosidade das suas gentes. Ciosa da sua cultura.

Cercada de montes, no sopé da serra de S. Macário, conseguiu sempre sair do isolamento e abrir-se como ponto de partida, de passagem ou de chegada.
Quando houve necessidade de alcançar a outra margem para trocas comerciais, de experiências e de convívio, ou simplesmente alargar a área da sua zona de cultivo, fez-se ao rio, que atravessou de barco.





Quando a intensidade do caudal das águas dificultava a viagem que já não conseguia dar resposta a tanta procura, sentiu necessidade de uma ponte que a levasse a espaços com novos horizontes.
Perante as dificuldades do Estado em satisfazer tamanha ambição, haveria de ser um dos da terra, de seu nome Manuel Duarte Pinto de Almeida, a lançar mãos à obra e a nela empenhar o farto pecúlio de uma vida de êxito em terras do Brasil.

Corria o ano de 1886 e demorou a ponte três anos a ser construída. E a ser a menina dos olhos do seu dono e daquela boa gente hospitaleira, generosa e discreta. E passou a ponte a ser da maior importância para a vida de toda aquela região, unindo dois concelhos, a partir de qualquer margem do rio: Castro Daire e S. Pedro do Sul.
 Com direitos de portagem até à década de quarenta do século XX, ainda hoje é a imagem de marca daquela terra com praia fluvial improvisada e procurada por muita gente, nos meses quentes de Verão. Ainda hoje, motivo de orgulho e sinal de independência.



Passados mais de cento e trinta anos sobre a sua construção, a ponte lá continua, ufana da sua utilidade, da sua solidez, da sua beleza. Orgulhosa da sua serventia e da força das suas pedras. Com a dignidade do dever cumprido e com a ousadia de quem tem a certeza de que há-de morrer de pé.

Por ali andei em visita, por estes dias de férias estivais. Em romagem às  minhas raízes. Em visita a lugares que me são sangue.
Muito obrigada.

                               * Aurora Simões de Matos






Nodar, Julho de 2017

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