Mudam-se
os tempos
A
crise económica internacional, que se vem acentuando nos últimos
anos, tem levado a medidas restritivas nos países de destino dos
nossos emigrantes, tendo afectado, de forma mais ou menos drástica,
o quotidiano de todos aqueles que procuram, longe da pátria, a
realização pessoal, profissional e social, que dê sentido
satisfatório a um percurso de vida que ambicionam com a maior
estabilidade possível.
Sendo
assim, uma boa parte das gentes da beira- Paiva, em movimentos
migratórios internos, facilitados por uma rede cada vez mais
alargada de estradas e servidos por uma razoável rede de meios de
transporte, procura, nos grandes centros urbanos portugueses, a
satisfação para as legítimas necessidades de um viver mais
desafogado, já que a agricultura e a pastorícia, os recursos
económicos mais tradicionais da nossa terra, deixaram há muito de
satisfazer as naturais ambições das novas gerações.
Todo este fenómeno, aliado à obrigatoriedade cada vez mais alargada
da escolarização dos nossos jovens, pela demanda de mais saber e de
um emprego economicamente mais rentável, e também ao actual baixo
índice de nascimentos, tem levado ao declínio demográfico, que se
traduz numa população cada vez mais envelhecida.
No
entanto, o regresso às origens é sempre uma obrigação. O Natal, a
Páscoa e principalmente os meses de Verão assistem ao retorno dos
que partiram. Carregados de saudades, de mimos e presentes para os
que aqui deixaram e dos luxos possíveis transferidos de grandes
centros de consumo, vão modificando a fisionomia e os modos de viver
e de sentir desta região.
Trazem
novos hábitos, novas experiências, novas exigências. Aprenderam
por lá a competitividade que, naturalmente, passou a fazer parte das
suas preocupações e que conduz a certa ostentação, exposta
principalmente nos carros que conduzem, nas casas que constroem, nos
electrodomésticos
que usam, nos mobiliários com que recheiam as suas habitações.
Hoje,
poucas serão as casas das nossas
aldeias que não exibem um bom frigorífico, arca congeladora,
aquecedor eléctrico, microondas e o indispensável televisor que nos
aproxima do mundo.
De
facto, a televisão entrou na vida de toda a gente, invadiu os seus
tempos de lazer, faz agora parte dos seus serões, apresenta-lhe
novas modas e novos valores.
O
convívio dos homens na taberna, à porta da venda, no cafezinho
intimista ao lado do minimercado, foi sofrendo alterações, ficando
cada vez mais frouxo. Quase só o futebol consegue monopolizar
atenções e alargar interesses que se querem partilhados com os
vizinhos e os amigos. Quase só o futebol junta um razoável grupo
para a discussão dos resultados. Pelo meio, a televisão.
O convívio das mulheres na fonte, nos lavadouros das poças e dos
tanques, à saída da missa, nas feiras ou nos bailes, foi ficando
cada vez mais desprendido de interesses e de afectos. Quase só as
novelas despertam comentários que se querem partilhados com as
vizinhas e com as amigas. Pelo meio, ainda e sempre, a televisão.
Com a chegada da televisão, dos telemóveis e da internet, foram
dissipadas barreiras julgadas intransponíveis. As novas tecnologias
estão aí, a revolucionar o quotidiano das populações. As
seculares práticas comunitárias, instaladas desde tempos
imemoriais, vão dando lugar ao individualismo da modernidade.
As
gerações mais velhas, embaladas neste sonho de conforto e de
progresso, de boamente aceitam as mudanças que possam facilitar um
pouco os seus dias, desde sempre marcados pelo esforço duro e
penoso.
Na
prática, quase ninguém se apercebeu dos efeitos perversos desta
mudança de atitudes e mentalidades. Naturalmente, as coisas foram
acontecendo devagar e, quando se deu por isso, as crianças já não
cultivavam práticas e linguagens, gestos, memórias e afectos que se
julgavam imorredoiros. Tinham deixado de aprender, porque ninguém
lho tinha ensinado nos longes das grandes cidades, o carinhoso
respeito pelos nossos velhos, a quem já não recorrem para as
aprendizagens da vida, com quem já não rezam as contas ao serão, a
quem já não pedem a bênção pela manhã e antes de adormecerem.
As nossas crianças e os nossos jovens foram perdendo o espírito
genuíno que caracterizava a sua identidade e são agora, para o bem
e para o mal, em tudo parecidos com os novos portugueses de todo o
resto do país e do mundo.
A
abertura dos ambientes outrora isolados aos novos meios de
comunicação e de transporte, só pode ser encarada numa perspectiva
de enriquecimento e desenvolvimento a todos os níveis. Estas
regalias, até há pouco impensáveis para uns e esperadas com
impaciência por muitos outros, serão por certo résteas do
progresso que, com toda a justiça, chegam a estas paragens.
Difícil
é prever até que ponto poderemos ainda preservar os sinais que nos
distinguem como seres únicos que, respirando uma vitalidade muito
própria, são capazes de se afirmar pelo mundo, sem todavia se
desprenderem das raízes que os ligarão para sempre à sua terra.
(Texto escrito em 2010,antes da grave crise económica que tanto aflige o mundo)
Aurora Simões de Matos
(Texto escrito em 2010,antes da grave crise económica que tanto aflige o mundo)
Aurora Simões de Matos
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