terça-feira, 28 de maio de 2013

ALDEIA DA PENA, UM MUNDO QUASE IRREAL



    JÓIA DE XISTO PERDIDA NUM  BURACO DA SERRA DE S. MACÁRIO

                                   S. PEDRO DO SUL







Subir ao S. Macário é já uma festa. Descer aquela via estreita de quase três quilómetros, em constante confronto com o abismo, para além de ser um acto de coragem em jogo de subtilezas que não admite qualquer batota, é também um percurso de migração em que a nossa identidade dá o salto para um mundo quase irreal.

Desfeito o segredo, pára-se de pasmo e respira-se calmamente o espírito do lugar. É um sítio romantizado no intimismo de uma paisagem secular, parada no fio do tempo, pelos inúmeros visitantes que chegam e que partem.Vieram em busca da experiência inesquecível.

Estamos numa cova funda de estranhos limites entre três montes apertados e íngremes, que a natureza  beneficiou com uma larga garganta: o Portal de abertura,  voltado à distante Montemuro. O Portal escancarado por onde entra o ar e a paisagem. E por onde segue, indiferente à curiosidade alheia, a diligente ribeira que, depois de regar campos e pequenos jardins, se lança em apressada correria na direcção da Paiva.

Sendo a Pena uma  aldeia de xisto  e fazendo ela parte do conjunto de « Aldeias Preservadas » de Portugal, não há aqui lugar para qualquer artifício que possa manchar o equilíbrio. Na rusticidade deste conjunto de dez casas restauradas nos últimos anos, algumas com o apoio da autarquia, a sua pujante área de cultivo hoje bastante limitada, e os seus montes. Os seus montes onde, alheio à provocante modernidade das sentinelas eólicas como vigilantes indiscretas, tranquilamente pasta o rebanho de cabras e ovelhas de Alfredo Brito.

A este homem, nascido na Serra da Estrela, emigrado para a Suíça, que trabalhou na Cozinha Velha do Palácio de Queluz, onde (di-lo com uma pontinha de orgulho) serviu grandes Figuras de Estado, como os Reis da Bélgica e outras altas personalidades, deve a Aldeia da Pena muito do interesse e do movimento que tem actualmente. Em especial aos fins de semana dos meses de tempo quente.

Decidido, ambicioso, trabalhador, destemido, educado, bem falante, Alfredo Brito sabe o que quer e como lá chegar. Aqui aportou no dealbar do século XXI. Na bagagem, trazia a paixão por uma jovem com raízes na Pena - Ana Cristina de seu nome - a paixão pela restauração, ramo que lhe era bastante familiar e a paixão pelo empenho no sucesso. A partir do quase nada.

Quando ele chegou, viviam na aldeia cinco pessoas. Longe iam os tempos em que a Pena fervilhava de azáfama agrícola e pastoril, com cerca de sessenta habitantes. Em que as crianças, em grupo, percorriam diariamente a pé cerca de cinco quilómetros, para chegarem à escola mais próxima, em Covas do Rio. Pelo carreirinho de terra batida, ao longo da ribeira. 
Em que, por carreiros que serpenteavam montes e vales, se chegava a pé, de burro ou a cavalo. às povoações vizinhas, ainda tão distantes! 
Em que a água da velha fonte servia toda a gente. E a luz da candeia ou do gasómetro eram as únicas que alumiavam a escuridão de breu, pouco depois do sol se pôr, mais cedo que nas outras terras, e até o sol aparecer de novo, mais tarde que nos outros povos.

Longe iam os tempos em que nas casas, nos campos e nos caminhos, se ouviam conversas, canções e gargalhadas à solta, o tilintar da guizalhada dos animais, os manguais a bater compassadamente na eira, o matraquear dos teares, o rodar da mó no velho moinho. Se sentiam, pelo caminho da fonte, o arfar dos corações nos jovens enamorados. Se ouviam cantigas de embalar berços de crianças consoladas no leite materno.

Quando Alfredo Brito chegou à Pena, apenas cinco pessoas, acomodadas ao isolamento e à solidão que já não doía, porque a dor tinha ficado espalhada por vidas feitas de pequenos dramas que se habituaram a aceitar com a naturalidade das pequenas alegrias.

Se é sabido que, nos tempos de crise que correm por todo o lado, o empreendedorismo jovem deve ser apoiado e estimulado, o certo é que, para as bandas da Pena, não têm corrido esses ventos de feição.
Alfredo Brito não se deixa intimidar pelo despeito do quase abandono. Para consolo dos que, amantes da boa gastronomia tradicional, procuram o seu  RESTAURANTE ADEGA TÍPICA DA PENA, ali continua, aberto a uma visita e a uma boa conversa.


A uma das aldeias de xisto mais autênticas do País, bem poderia e deveria chegar-se por acessos mais condignos. Para segurança e regalo dos olhos visitantes e maior comodidade dos que aqui habitam, apoiados nos seus campos, nos animais que criam e no artesanato que manufacturam. Gente que, heroicamente, sabe tirar partido do isolamento em que vive. Continuando a não trocar por nada os ares lavados e o aconchego deste canto pequenino. 

 JÓIA DE XISTO  perdida e quase esquecida num buraco da serra....


Aurora Simões de Matos - 2013


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Casas de xisto ...são todas elas...



Casa de Artesanato


 




                                            Aurora Simões de Matos

( imagens da net)


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