As
Alminhas, nichos de fé
Uma das mais ingénuas e
românticas manifestações de arte popular, associada à
religiosidade do nosso povo, são as Alminhas.
São pequeninos
oratórios, onde os vivos podem rezar pelos mortos em sofrimento nas
penas do Purgatório.
Construídas em pedra,
podem ter formas diversas, mas são fundamentalmente constituídas
por um nicho com pintura ou imagem resguardada ou não por protecção
de vidro e encimado por uma cruz em relevo. Por vezes, mãos piedosas
encarregam-se de nelas manter mais ou menos viçosas as flores de uma
jarrinha.
Com o tempo,
desapareceram alguns pormenores destes pequenos monumentos, como as
tábuas pintadas em que sobressaía o fogo vermelho onde ardiam e
sofriam as almas, assim como os anjos que levavam as purificadas a
caminho do Paraíso.
As Alminhas foram
construídas como sinal de uma tradição de fé, em tempos bem
recuados, quase sempre por iniciativa das Irmandades das Almas, que
muitas vezes nelas inseriam pequenos cofres de ferro chumbados na
pedra. Estes cofres destinavam-se a guardar as esmolas dos crentes,
para depois se mandarem celebrar missas de sufrágio pelas almas do
Purgatório. Essa prática caiu em desuso e hoje já não é costume
deixarem-se ofertas em dinheiro.
Através dos tempos,
plantadas à beira dos caminhos, nas encruzilhadas, nos cunhais das
habitações, em muros estratégicos, discretas ou bem visíveis, a
encimar fontes ou à entrada de pontes centenárias, estes sinais de
devoção tão profunda e piedosa do nosso povo sempre têm merecido
o carinho de quem não é indiferente à tradição.
Muitas estão em ruínas
ou desapareceram entretanto. Muitas outras vão acompanhando o
desenrolar de novas eras e sofrendo adaptações mais ou menos
consentâneas com a rusticidade que lhes é tão peculiar. Algumas
transformaram-se mesmo em pequenos monumentos de cariz estilizado, de
acordo com a pessoa ou a entidade que quis deitar-lhes a mão,
evitando o seu desaparecimento.
Os nichos das Alminhas,
onde quer que se encontrem e qualquer que seja o seu estado de
conservação, emprestam sempre à paisagem uma impressão de
tranquila afectividade e levam-nos a pensar nos outros como irmãos,
com generosa emoção. Assinalam a presença do Cristianismo e são
pontos de referência para os residentes e para os viajantes.
No meu concelho, na
Serra ou no Vale, não há povoado em que não se encontrem umas ou
várias Alminhas.
Curiosamente, a casa
onde nasci ostenta, num dos seus muros voltados para o caminho
público, um desses nichos. Por diversas ocasiões, a dita parede foi
sujeita a obras de restauro e beneficiação. No entanto, uma imagem
enfeitada com flores lá continua, embora adaptada a novos tempos.
A minha rua? Chama-se
Rua das Almas, naturalmente. É um sítio de passagem, um ponto de
encontro, um lugar de regresso.
É a Rua das Almas,
despojada e simples, como simples são os nomes das coisas à
beira-Paiva.
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