quarta-feira, 21 de novembro de 2012


As Alminhas, nichos de fé




Uma das mais ingénuas e românticas manifestações de arte popular, associada à religiosidade do nosso povo, são as Alminhas.

São pequeninos oratórios, onde os vivos podem rezar pelos mortos em sofrimento nas penas do Purgatório.

Construídas em pedra, podem ter formas diversas, mas são fundamentalmente constituídas por um nicho com pintura ou imagem resguardada ou não por protecção de vidro e encimado por uma cruz em relevo. Por vezes, mãos piedosas encarregam-se de nelas manter mais ou menos viçosas as flores de uma jarrinha.

Com o tempo, desapareceram alguns pormenores destes pequenos monumentos, como as tábuas pintadas em que sobressaía o fogo vermelho onde ardiam e sofriam as almas, assim como os anjos que levavam as purificadas a caminho do Paraíso.

As Alminhas foram construídas como sinal de uma tradição de fé, em tempos bem recuados, quase sempre por iniciativa das Irmandades das Almas, que muitas vezes nelas inseriam pequenos cofres de ferro chumbados na pedra. Estes cofres destinavam-se a guardar as esmolas dos crentes, para depois se mandarem celebrar missas de sufrágio pelas almas do Purgatório. Essa prática caiu em desuso e hoje já não é costume deixarem-se ofertas em dinheiro.

Através dos tempos, plantadas à beira dos caminhos, nas encruzilhadas, nos cunhais das habitações, em muros estratégicos, discretas ou bem visíveis, a encimar fontes ou à entrada de pontes centenárias, estes sinais de devoção tão profunda e piedosa do nosso povo sempre têm merecido o carinho de quem não é indiferente à tradição.

Muitas estão em ruínas ou desapareceram entretanto. Muitas outras vão acompanhando o desenrolar de novas eras e sofrendo adaptações mais ou menos consentâneas com a rusticidade que lhes é tão peculiar. Algumas transformaram-se mesmo em pequenos monumentos de cariz estilizado, de acordo com a pessoa ou a entidade que quis deitar-lhes a mão, evitando o seu desaparecimento.

Os nichos das Alminhas, onde quer que se encontrem e qualquer que seja o seu estado de conservação, emprestam sempre à paisagem uma impressão de tranquila afectividade e levam-nos a pensar nos outros como irmãos, com generosa emoção. Assinalam a presença do Cristianismo e são pontos de referência para os residentes e para os viajantes.

No meu concelho, na Serra ou no Vale, não há povoado em que não se encontrem umas ou várias Alminhas.

Curiosamente, a casa onde nasci ostenta, num dos seus muros voltados para o caminho público, um desses nichos. Por diversas ocasiões, a dita parede foi sujeita a obras de restauro e beneficiação. No entanto, uma imagem enfeitada com flores lá continua, embora adaptada a novos tempos.

A minha rua? Chama-se Rua das Almas, naturalmente. É um sítio de passagem, um ponto de encontro, um lugar de regresso.

É a Rua das Almas, despojada e simples, como simples são os nomes das coisas à beira-Paiva.




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