terça-feira, 20 de novembro de 2012

Bailes antigos - Poema de Aurora Simões de Matos

Bailes antigos





Naqueles tempos de menina
que minha lembrança encerra
recordo com saudade
os bailes da minha terra

Rapazes, chapéu ao lado
e as moças bem sadias
algumas delas rogadas
nas povoações vizinhas
mesmo doutras freguesias
faziam do seu bailar
a arte de bem saber
como, num rodopiar
se pode a vida viver
E como bem o faziam!
Porém, as comprometidas
com a sua compostura
a um só par se ofereciam
bem à maneira do crer
em valores que defendiam

E ai da voz ou do gesto,
um simples olho pisca
do intruso que tentasse
seduzir namoro alheio!
Fervilhavam os ciúmes
e a faca de dois gumes
que o baile traduzia
em perigo e alegria
poderia redundar
cena de pancadaria

Se tudo corresse bem,
vigorava o fresco viço
dos corpos, sangue maciço
a redobrar de euforia
ao som da gaita de beiços
ou então da concertina
em loucas valsas de roda
em chulas, danças da moda
e também na mais esperada
de toda a bonita dança
a célebre contradança
que a todos enfeitiçava

«Agora ao centro tudo...
e outra vez...
rodas em cabeceiras...
rodas ao outro lado...
à direita passeia tudo...
procurar o seu par...
é força, balanço e tudo...
mais uma vez rodar...
meia volta e troca o par...»

Nesta dança delirante
de cega obediência
ao mandador bem falante
num jogo de resistência
que não permitia engano
os meus olhos não largavam
meu Tio Floriano

Ainda hoje, quando há festa
gosto de o ver dançar
nos seus setenta e tal anos
Corpo janota, bem feito
num porte todo elegante
de tronco muito direito
e pés de grande dançante
puxar da sua Mulher
e... de repente... esquecer
desgostos e desenganos
num bailar em rodopio
como nos tempos antigos
quando era jovem meu tio

E lembro-me espectadora
de muito roubo de beijos
escondidos no sabor
do toque dos realejos!

Aurora Simões de Matos
do livro Poentes de mar e serra - 1997


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