segunda-feira, 12 de novembro de 2012


MORREU A SOBREVIVENTE




É com enorme pesar que informo do falecimento da Tia Céu da Seara, a heroína da minha última publicação escrita.
Completaria 110 anos, no próximo dia 5 de Dezembro.
Não estará connosco na grande festa que lhe preparava a Santa Casa da Misericórdia de Castro Daire e a Câmara Municipal. Continuará, contudo, na memória colectiva de uma região, como personificação da Mulher rural do século XX que, atravessando-o, o ultrapassou, com a ousadia e com a ternura que a caracterizavam.
Lúcida até ao fim, falava como quem reza a oração com que certamente entrou, triunfante, pelas portas ao encontro de Deus.

O Céu estará em festa, na recepção a um Anjo que recordaremos com a maior SAUDADE...

PAZ à sua alma.





UMA NUVEM SE ABRIU


(Poema lido na Eucaristia do funeral de Maria do Céu Trindade)
Igreja da Ermida, 11 de novembro de 2012


Carregavas em ti o peso do mistério,
vivias da memória que, só tua, guardavas
nas horas tranquilas de olhar tão sereno,
qual cofre de segredos que a mais ninguém mostravas.

Ao peso dessa dor, na leveza do amor,
carregavas em ti mil vidas por viver.
Eras, por todas nós, o pulsar quase exangue
a que emprestava força teu peito de MULHER.

Nesta libertação, rumaste agora ao Céu,
qual Anjo de asas brancas na cor desse cabelo
onde marcas só tuas a vida foi pintando.

Restará uma lenda do tempo que foi teu,
na memória dos dias, um nome ficará
a pairar sobre os montes, onde andaste cantando.
           
            Nas águas contra os seixos ouvem-se já queixumes.
É o rio que chora pela gentil figura
que tanta vez olhou e temeu e amou
a Paiva benfazeja, a Paiva da fartura.

E a fonte murmura um segredo baixinho.
Nos campos ondeando, o arbusto tremeu.
Suas folhas caíram, seu caule se quebrou,
gemendo de saudades por alguém que morreu.

É a Mãe- Natureza em pranto redobrado
por esta filha sua que partiu rumo ao Céu,
qual pétala de rosa esvoaçando ao vento.

Uma nuvem se abriu no céu iluminado.
Sua alma, feliz, sorriu e nela entrou...
Nós sorrimos também em nosso pensamento.


Aurora Simões de Matos

2 comentários:

Anónimo disse...

Não conheci pessoalmente a dona Maria do Céu Trindade.
Pelo que aqui fica escrito, da sua longa vida, seria uma mulher única com mil histórias para contar. Com 110 anos, as suas vivências não dariam um livro mas certamente encheriam estantes se houvesse quem as escrevesse.
No momento sempre triste do seu passamento, fica a nossa alegria por a dona Maria do Céu ter contribuído para mais alguns interessantes capítulos da obra literária de Aurora Simões de Matos e de ter sido a razão para este lindo poema.
Imagino a sensação única que é ouvir, na igreja da Ermida, ao lado do rio Paiva, a récita deste poema.
Na hora da partida, no carinho da despedida, só os mais aventurados terão direito a palavras tão bonitas.
Fernando Luís

raiz de xisto disse...

Meu Caro Fernando Luís

Foi,de facto,uma sensação única a que todos vivemos na Igreja da Ermida.
Pessoalmente,comovi-me ao dizer o Poema que fiz,ao correr do sentimento dorido,quase à hora do funeral,quando alguém,por SMS,me lembrou :"A heroína que ajudaste a imortalizar merecia ainda um Poema teu".
E emocionei-me,ao olhar de novo os espaços que visitei antes de escrever a biografia...com o fim de contextualizar aquela vida,pela qual me apaixonei.
Este Poema e um ramo de flores secas, apanhadas no monte,seguiram na urna.Minha última prenda para a Tia Céu da Seara.
Juntas,através deste blog e nos jornais em que escrevo,temos corrido mundo.Um dia,um livro ficará, para testemunho mais perpétuo.
O meu abraço amigo

Aurora